terça-feira, 13 de julho de 2010

Crônica - Semblantes

O banco de madeira do Calçadão parece apertado para os dois, embora sejam os únicos a ocupar o equipamento de descanso instalado sob uma árvore do espaço público.

Ele senta num canto e estica o braço direito por cima do encosto. Alguém de longe poderia imaginar que aquilo seria um abraço. Mas a mão, escondida atras das costas dela, segura a madeira com força quase brutal. Como se houvesse uma necessidade: apertar para se manter no local e evitar o distanciamento.

Ela joga os ombros para frente e curva-se escorando o queixo com as duas mãos, cotovelos sobre as coxas e pés jogados para os lados. Diria o observador que a mulher evita o contato com o homem. Repele-o fisicamente e repudia-o sentimentalmente.

Os rostos de ambos tentam escancarar passividade. Ele olha para o lado contrário ao dela e mira distante, numa panorâmica sem foco, como se não buscasse enxergar algo e preferisse naquele momento uma cegueira emocional. Ela encara o chão poucos metros adiante sem mover as pálpebras, como se visse um vazio tão enorme e avassalador quanto o que sente na alma.

Talvez uma vírgula errada na troca de mensagens pelo celular tenha provocado aquela cena. Ou um ponto de interrogação equivocadamente digitado no lugar da exclamação tenha passado no texto do e-mail. Pode ser que os olhares de agora, que pouco ou nada enxergam, tenham se desviado distraidamente no passado. O dele em direção a uma outra mulher, o dela no rumo de um jovem atraente.

Motivos banais provocam situações de distanciamento tão fortes quanto as causas mais nobres. Mas o ciúme nem sempre é o culpado. Uma palavra mal colocada pode transmitir indelicadeza de qualquer das partes. Um sim pode soar como um não. Um não pode ter o impacto de uma agressão. Os seres humanos são sensíveis, o cotidiano é armadilha e a rotina é o gatilho.

Estranhas sensações transmitem os semblantes daqueles dois, sentados há minutos no banco de uma praça pública como se estivessem sozinhos, esperando pelo momento certo da reconciliação. Que saia sol depois da tempestade.

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