sábado, 17 de julho de 2010

Crônica - Algum lugar

Marrons, os sapatos atravessam a exata extensão do lugar onde a vista alcança. Sem que se mova a cabeça de um lado ao outro. A preguiça é tanta que evita-se, inclusive, esticar os olhos de lá para cá. Entra primeiro o par esquerdo. Apressado, vem em seguida o direito. Depois o esquerdo, segue o direito, vem o esquerdo, chega o direito, esquerdo, direito, esquerdo, direito.

O pé esquerdo pisa mais reto. O direito entorta para o lado. Vê-se pelo desgaste do salto e denuncia-se pelo couro laceado e torto, formando uma deformidade interessante. Onde está a causa dessa diferença?

O pé direito tem o cadarço mais apertado. Percebe-se pelos laços, que caem milimetricamente acertados pelos lados do sapato, como se o autor daquela amarra medisse diariamente o tamanho das pontas que sobram. O pé esquerdo tem um laço menor que o outro, mas as sobram são iguais. Haveria alguma relação entre o tamanho dos laços e a deformidade do couro laceado?

O pé esquerdo pisa com a ponta bem em frente, como se mirasse a cada passo um alvo muito adiante. O pé direito joga a ponta para fora. É como se recusasse aquele caminho e tentasse um desvio. Seria essa suposta rebeldia a causa da diferença que ela carrega durante o andar de quem calça o par de sapatos marrons?

O pé direito encaixa perfeitamente. O pé direito sobra. Por isso entorta na mudança de passo, quando o calcanhar atinge o chão e o solado desce fazendo uma curva que termina na ponta, antes de ganhar o ar enquanto o outro calcanhar toca o cimento.

Quanto chão, tantas imperfeições no piso, enormidade de surpresas que se passaram. Esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo direito. É o caminho à frente, sem parada, sem descompasso e de uma rotina impressionante. No percurso até algum lugar e visto por olhos preguiçosos, na altura do chão, bem rente ao piso, a ponto de observar imperfeições.

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