quinta-feira, 1 de julho de 2010

Crônica - Repartiam até as mancadas

Paulo e Jorge eram muito mais do que dois bons colegas de trabalho. Eram amigos de almoçar juntos e brindar o fim do expediente no mesmo bar, na mesma mesa e divindo a mesma porção de batata frita.

Se um deles saia para comprar uma camisa, o outro acompanhava. O que um comprava o outro elogiava. Quando um cortava os cabelos e demais colegas podiam apostar que em seguida o outro apareceria com a juba aparada e rente. O barbeiro que havia acertado o penteado de um tinha que ter tesourado o do outro. E aquele barbeiro seria, na avaliação dos dois, o melhor da cidade.

Eram a cueca e a calça, para não ter que dizer palavrão. Se um borrava, o outro pegava mancha. Eram a gengiva e a dentadura, o arroz e o feijão, a polenta e o queijo parmesão.

E foi que um dia Jorge apareceu com um Passat, modelo antigo, de um creme forte, quase amarelo. Claro, era a cor mais linda, a lataria menos amassada, o câmbio mais justo e o motor mais inteiro. O carro foi comprado na hora do almoço e durante toda a tarde os colegas tiveram que ouvir de ambos, naquela base do um depõe e o outro endossa, que na hora de fechar o negócio a mulher do vendedor entrou em prantos.

É que, na versão de Jorge, a família não queria vender o carro. Faziam-no por necessidade financeira. E o Passat, de acordo com o amigo Paulo, era um patrimônio familiar, um membro da família, uma espécie de cachorro que quando some baqueia até os vizinhos. Por isso a mulher teria chorado quando o marido se desfez do carro.

Menos de uma semana depois Jorge apareceu sem o Passat. Perguntaram ao Paulo o que havia acontecido. Sem cerimônia e desprezando tudo o que havia dito, Paulo respondeu que Jorge havia devolvido o carro. Por que? Porque o Passat, tirando a cera que deu o brilho, era um ajunte de massa por todo quanto é lado. E porque o motor esfumaçava mais do que avião da esquadrilha da fumaça. E porque o câmbio falhava na terceira e enroscava na ré.

Jorge, mais quieto naquele dia, apenas confirmava com a cabeça. Foi quando apareceu o engraçadinho disposto a ir a forra:

- Ah, então foi por isso que a mulher do vendedor chorou na hora de fechar o negócio. Ela chorou de alegria porque o marido estava conseguindo se livrar do Passat e com um lucro.

A roda se desfez sem que ninguém mais do grupo dissesse nada. Mas se perceberam cochichos e risadinhas irônicas pelos cantos. Ô, gente malvada...

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