segunda-feira, 5 de julho de 2010

Crônica - Febre, insensatez e cegueira

Parecia uma enorme batata quente tirada de uma panela de pressão após um cozimento demorado. Pesada e meio ovalada, com uma ponta mais fina que a outra, um lado mais gordo que o outro, uma imperfeição ali, um calombo aqui.

Aquilo era simbolicamente o começo de um sonho ruim, desses que se tem quando se dorme com febre. Era com aquela deformidade que os meninos teriam que marcar pontos. Passar, receber, driblar, chutar, acertar o gol adversário faziam parte da missão. E a batata, que era a bola, fervia. Cabeceava-se com o risco de queimar a testa.

Então os meninos fechavam os olhos, na vã esperando de errar. Que a batata passasse longe, mesmo que caisse, de presente, nos pés do adversário. Mantinha-se a cegueira propositalmente, mas, na verdade, aquela cegueira era mais profunda que o não enxergar. Vinha da necessidade de não querer ver.

Corriam, assim, sobre um gramado tão rude quanto uma espinheira. A pele coçava e a coceira chegava ao ardor. Sangrava, senão na superficie, lá dentro, na alma. E a mente, atabalhoada, comandava uma estratégia insensata: passa a batata pra lá, recebe a batata aqui, queima um peito numa recepção de improviso, baqueia a coxa num lance, estoura uma cabeça numa tentativa de gol.

Aos poucos se perdia o rumo. Na mesma medida o placar adversário pulava vantagens. A torcida virava inimiga. O adversário assumia a postura de carrasco. E a batata, mais quente, mais disforme, pesava na batida dos pés. O chute saia torto, o gol estava em qualquer lugar.

Em algum canto um resultado. Era uma derrota, um efeito febril advindo de uma cegueira que não se enxerga o senso, o sentido, o rumo, a razão, o objetivo e a meta. Assim os meninos voltaram da Copa da África, sem saber o que foram fazer lá.

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