domingo, 25 de julho de 2010

Conto - A quinta esquina

As calçadas com piso quadriculado eram um tormento. Lilico nunca se contentava em atravessá-las. Crescido para os nove anos, mas sem exageros, o menino tinha o corpo magro sustentado por pernas ainda curtas para os quadrados de um metro e meio que forravam o chão, feitos tapetes de concreto. Então ele corria como um saltador para evitar que os dois pés pisassem num mesmo quadriculado.

Não era uma superstição. Era um objetivo, quase uma meta. O prêmio por esse ato era a possibilidade de chegar mais cedo a algum lugar. Escola, casa, mercado, banca de revista ou a sorveteria logo adiante.

Lilico também fazia contagem dos passos de um poste a outro. Nesse exercício estabelecia uma espécie de superação. Se do primeiro ao segundo poste a distância era de oitenta passos, do segundo ao terceiro tinha que diminuir pelo menos três passos. Depois quatro, cinco, seis e cada vez mais, até atingir o seu destino.

Um dia inventou de andar de costas e até ouviu de uma senhora que não devia, pois havia naquele tipo de caminhar uma lenda. Lilico nem ligou, já que em nenhum momento a mulher chamou a atenção por causa do perigo. Na primeira ré o menino deu oito passos. Na segunda tinha que ser nove. Na terceira dez. Esse exercício não ultrapassou o primeiro quarteirão. Lilico não caiu nenhuma vez, mas deu encontrão em três pessoas.

No outro dia estabeleceu a meta de andar de olhos fechados. Cinco passos na primeira fechada de olhos, seis na segunda, sete na terceira e nada mais. A brincadeira chegou ao fim quando o menino passou na frente de um quintal guardado por um cão de latido forte. O susto foi tanto que a adrelina, em vez de provocar alguma reação própria, molhou as calças do menino ao se derramar com a urina.

Em percursos mais longos Lilico marcava os quarteirões. O primeiro no lado direito da rua, o segundo no lado esquerdo. O terceiro e o quarto no lado direito, o quinto e o sexto no lado esquerdo. O sétimo era o destino, então o menino contava como se fossem dois: metade de um lado, metade de outro.

E assim chegou a vez das esquinas. A primeira que dobrou deu para a rua de baixo. Na segunda pegou a via paralela e na terceira retornou para a via anterior. Na quarta foi para a rua de cima. Na quinta caiu num beco sem saída e provou que era tão metódico que desconsiderou tudo o que tinha andado. Não levou em conta que conheceu calçadas novas, postes diferentes, muros estranhos e viveu fora do cotidiano dos quadriculados por ter feito alguns desvios no caminho de rotina.

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