quarta-feira, 16 de junho de 2010

Relembrando - Uma crônica de um outro tempo

A vida começa a qualquer instante. Feita de dinâmica intensa e assustadora, ela desponta não necessariamente com a luz do dia. Pode aparecer à noite, na penumbra que antecede a madrugada. Nem sempre é duradoura, às vezes se apaga naquele piscar do olho que chama a gota da lágrima. Em casos mais amenos, deisvai-se quando começa a ressaca.

Um dia alguém inventou que a vida começa aos quarenta. Outros aceitaram a idéia e passaram a propagá-la. Mesmo sem ciência, há quem enxergue verdade nesta tese sem defesa em banca de doutores. O resultado disso, quando não trágico, é cômico: numa esquina qualquer, alguém espera a chegada da vida enquanto as pessoas passam, levando-a com a sua diversidade típica. Erros e acertos, cores claras e letreiros difusos, sorrisos e tristezas vão com ela.

O que se pode aguardar lá na outra ponta? A moça de quarenta provavelmente queira retornar aos dezoito. Rugas no rosto provocaram rusgas no coração e a expectativa de uma vida nova se desfez justamente na despedida dos trinta e nove ou na entrada dos quarenta e um. Uma série de coisas levaram a isso: a casa financiada com saldo astronômico em aberto; o carro novo que ainda é velho e problemático; a alma que não foi lavada...

Aqui, no canto, eu fujo. Quero voltar à infância. Prefiro a inocência e a ingenuidade das ruas sem asfalto. Preciso decorar a tabuada de novo, imaginando que vou fechar as minhas contas com mais acerto no futuro. Não quero mais as minhas despesas maiores que as receitas. Quero a bola de meia e uma lata usada de óleo de soja para enrolar a linha de empinar pipa. Com mais de cinqüenta, não quero mais voltar aos quarenta para ver a vida surgir. Quero os cinco anos de idade para andar de motoneta de plástico por uma estrada que eu mesmo construa.

Obs.: crônica já publicada em outro blog do mesmo autor.

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