segunda-feira, 14 de junho de 2010

Conto - A sedução do poder e o poder da sedução

Diziam pelas costas que Gilma morreria solteira quando tivesse lá os seus noventa e poucos anos de idade. Isso desde que Gilma era menina de escola, aluna do catecismo e postulante a uma vaga do curso de inglês. O comentário maldoso saia de diferentes bocas: dos coleguinhas da escola, das beatas do curso de catecismo, dos coordenadores da escolas de línguas. Dilma, aliás, Gilma era muito feia.

Ainda criança Gilma já se apresentava com um físico que parecia um pião. Cabeção enorme, ombros largos e o resto que descia afunilando estupidamente, até terminar nos pés pequenos, mas tão achatados quanto um pé de pato. Certa vez um maldoso pediu uma fieira quando Gilma passou em frente: "Vou rodar este pião até ele ficar bêbado", comentou o engraçadinho.

Adolescente, Gilma se entregou aos estudos. Era uma compensação. Enquanto as amiguinhas namoravam, Gilma dava o duro com a cara enfiada nos livros. Naquele tempo computador era coisa de filme de ficção científica. Então Gilma lia e escrevia, lia e escrevia, escrevia e lia, escrevia e relia. Uma das frases encontradas em seu caderno de anotações: "Um dia serei rainha". Outra: "Vencerei, nem que seja com atos extremos." Mais uma: "Minha vingança será maligna."

Então Gilma atingiu a juventude. Na época, o Rei Roberto Carlos já dizia que, segundo recomendações maternas, o melhor era viver intensamente a vida, sem rancores, sem quermesses da paróquia, sem namoricos colegiais, sem "pra não dizer que não falei das flores", mas com muitas emoções. Em outras palavras, seria o velho calção de banho do Vinicius de Moraes, descompromissado, benéfico e promissor.

Mas Gilma, arredia, não participou do footing de namoradeiras da praça próxima de casa. Trancou-se nos diretórios acadêmicos, elaborou discursos contra o regime, atravessou madrugadas pintando cartazes com pincel atômico e desfilou em passeatas. Não contente, entregou-se corajosamente às formas mais ousadas de combater o que era politicamente errado. A feiura não acabou, mas Gilma tornou-se respeitada. Na verdade, a jovem havia decidido que a feiura, desde então, seria parte de sua personalidade. E que personalidade.

Tão forte que um dia ela chegou ao que tinha escrito anos atrás: "Um dia serei rainha." Ainda sem a coroa, ela percebeu que seu poder estava vinculado a sua carranca. E Gilma usava essa carranca com inteligência.

Um dia, porém, o rei disse a Gilma que para ela ser coroada, precisava arrancar a carranca. Uma coisa não combina com a outra, teria dito o rei, comparando o caso do Ronaldinho Fenômeno, ídolo do Galvão Bueno e do Faustão, que só é charmoso por causa do beiço avançado que se destaca enquanto ele espera na grande área por um passe milagroso que vai lhe garantir marcar o gol.

E Gilma fez uma, fez duas, fez três plásticas. A primeira foi um remendo, a segunda um desastre e a terceira, oh... escutei um menino de 17 anos comentando com um colega: "Quem é esta gatinha na tevê falando sobre política? Mano, que coisa linda".

Preocupação da história. Que ela, agora transformada em rainha, não cumpra outro dito do passado: "Minha vingança será maligna". Senão, como dizia o Collor de Mello, "duela a quem duela" eu que venci com atos extremos vou punir todos os que forem feios. E eu, nessa, estou ralado.

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