quarta-feira, 9 de junho de 2010

Conto - Ares de junho

Era um vento rasteiro e leve com força pouca para apenas empurrar contra a parede da varanda as folhas de arruda caídas por culpa de um acidente doméstico. Fincada no barro socado em um vaso de cerâmica, a planta se fez frágil quando a vassoura encostada na mureta do lugar tombou e bateu num galho com impacto.

Ali, entre um cochilo e outro na cadeira colocada em diagonal, para aproveitar o feixe de sol das três da tarde, dona Glória ainda se pergunta se foi por descuido dela ou o gato do vizinho, de olho no canário preso na gaiola pendurada acima, resvalou no objeto e provocou a queda.

Arrudas, segundo ela, espantam coisas ruins e por isso protegem a casa. A inveja, por exemplo, bate e rebate. Vai contra quem a tem. Às vezes ela se pega com o corriqueiro sintoma de dor de cabeça e se cura com a ponteira de um galho, que fica até murchar apoiado na orelha. Quando as folhas amolecem e perdem o brilho da vida, a enxaqueca vai embora.

"Coitadnhas", imagina dona Glória. "A arruda sugou toda a dor de cabeça". O pensamento vai longe e volta, na velocidade e na frequência do sono de depois do almoço. De vez em quando ela mesma se espanta ao perceber um ronco. Ao despertar, ainda com os olhos fechados ajeita-se na cadeira. É a maneira que usa para se convencer que o grunhido ocorreu porque o corpo estava comprimido.

Então balança os pés, que estão cruzados ora com o calcanhar esquerdo para cima e logo em seguida o contrário. Um bocejo demorado abala rapidamente a articulação e quase provoca caimbrã.

Dona Glória pena que tem ainda o quintal para ser varrido. O jardim precisa de um pouco de água. As roupas penduradas no varal precisam ser recolhidas antes que fiquem duras e difíceis de passar. A gaiola precisa de limpeza.

Assim ela abre os olhos e mira-os para além do muro, onde a copa de uma árvore enfeita o céu azul. Não faz frio. Mas também não é calor. O vento esfria os pés e um espirro faz o pássaro da gaiola, tão sonolento quanto a dona, abrir e fechar os olhos.

E já é inverno, por isso a preguiça. O feixe de luz do sol agora sobe a parede. O vento, ainda leve, agora causa mais frio. Ares de junho, isto é que é vida, pensa a mulher antes de mais um cochilo. E pensar que o gato nem passou pela varanda para espiar o canário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PARTICIPE: