segunda-feira, 25 de maio de 2009

Crônica - Dia seguinte

As vésperas são dias estranhos. Pode-se experimentá-las de maneiras diferentes, mas prefiro vê-las das duas pontas, pois delas medimos o tamanho das expectativas acertando o dial no ponto que mais interessa. É como acertar a sintonia de uma emissora de rádio, girando o botão de um lado a outro e tentando colocar na ponta dos dedos a sensibilidade exigida para se chegar aonde se quer. A operação é complicada tanto num caso quanto no outro. Sintonizar uma AM é tarefa extenuante. Uma girada mais rápida e nada se capta. As rádios com transmissores mais potentes, muitas mantidas por instituições religiosas, dominam a maioria dos pontos e invadem até os alheios. Insistem com seus sermões e suas receitas de curas para todo e qualquer tipo de mal. Apelam e te denigrem por não estar alinhado a algum tipo de fé.
Pois é, que pecado. Houve um tempo em que eu não ousava sonhar. O meu dial ficava sempre no mesmo lugar em todos os sentidos da minha vida. No futebol, eu torcia para o Londrina, que só perdia, e mantinha na capa do meu caderno um emblema do Palmeiras. A minha fidelidade para com estes times era religiosa. Não se admitia falsidade. Nas vitórias, eu comemorava com euforia, mas dentro dos limites da moderação. E isso é muito difícil, pois nos torna uma figura quase pacata e, às vezes, fria diante de qualquer grau de felicidade. Nas derrotas, eu dava a outra face, assumindo uma espécie de perda consciente, do tipo, se não ganhou é porque faltou alguma coisa: fôlego para os boleiros correrem noventa minutos, chutes certos no rumo das traves, técnica, sorte ou uma equipe inteira com habilidade suficiente para atacar e se defender.
Quando muito, em alguns momentos eu me permitia palavrões. Mas depois vinha a penitência. Se doeu o dente, foi por castigo. Se bateu com os dedos dos pés na perna da mesa, foi para lembrar que temos que ser comedidos. Se cortou o dedo com a faca, foi um lembrete para zelar pelos bons costumes. Não me recordo se isso trazia felicidade. O que eu tenho na memória é que esse comportamento alegrava os outros. Mamãe, por exemplo, era uma euforia. Afinal de contas, quando é que eu deixei de capinar o quintal depois de um período de chuvas só porque na noite da última quarta-feira o meu time havia perdido? Nunca. Sempre fui assíduo nas minhas obrigações, o que me dava um contentamento e um alívio por ter feito o que eu devia fazer. Isso é parecido com felicidade?
Carreguei esse comportamento por muitos anos. Até mesmo na época em que, estudante universitário, escondi debaixo do colchão exemplares do tablóide Movimento e de publicações da Convergência Socialista, bem quando esse tipo de leitura era um crime. Aliás, talvez esta opção tenha me valido muito, pois os livros de auto-ajuda nunca me assanharam. Lendo sobre o materialismo eu mantinha sempre um pé no espiritual. Assim experimentei uma interessante contradição, na medida em que bebia Coca Cola na cantina do campus universitário e na sala de aulas condenava as multinacionais.
E então, qual é o diagnóstico, doutor? Já me disseram que eu sofro de transtorno bipolar. Alguém pode me dizer se isso é bom? Por que, por exemplo, linhas atrás eu comentei sobre a véspera e não sobre o hoje ou o amanhã? Raul Seixas, nos áureos tempos em que a música popular brasileira ainda tinha conteúdo, confessava preferência em ser uma metamorfose ambulante. Eu rodeei, circulei, andei de costas e digo, agora, que o mutante, livre dos compromissos, é mais feliz que o engajado. No passado chamavam os boas vidas de alienados. Hoje não se sabe se o sujeito é descompromissado porque assiste o Faustão no domingo ou por gastar em telefonema para votar no paredão do BBB.
Que loucura! Não acredito que escrevi isso. Amanhã provavelmente eu consiga produzir algo claro, conciso, objetivo e coerente. Hoje é véspera de amanhã. Caramba... pqp... tanta besteira...

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