terça-feira, 9 de junho de 2009

Crônica - Tens razão, senhores...

Hoje vesti por alguns minutos a carcaça de vagabundo. No bom sentido. Sabe, aquele vagabundo inofensivo, que não subtrai do alheio, não incomoda ninguém e deixa de fazer sem causar danos aos outros.
Repórter de um jornal de porte médio, há anos cai num bairro de Londrina e fui trabalhar uma enquete. Nesse procedimento o profissional chega, sonda o ambiente, analisa as pessoas e escolhe aquelas que podem dar história. Foi quando ouvi de um sujeito algo mais ou menos assim: "Esses caras de jornal não fazem nada na vida. Só ouvem os outros".
Engoli, pois não vi condições de dizer ao fulano que produzir uma reportagem é muito mais do que ouvir. Aliás, ouvir é uma arte e só ouve quem não quer ser surdo. Saber ouvir é um dom. Ouvir, em algumas histórias, é essência.
Ainda assim, entre reflexões e exercícios mentais rigorosos para absorver de uma forma positiva a etiqueta de vagabundo, coisas que pratico quase que todos os dias ao acordar, andar, comer, sentar, sair, escrever e deitar na espera do sono, mantenho no potinho da memória a cara irônica do sujeito e, às vezes, me arrependo muito por ter me calado.
Recentemente essa lembrança me bateu com muita força quando uma outra cara, muito mais raivosa do que irônica, apertou a mesma tecla. Talvez porque o bom profissional trabalhe no sîlêncio. Ou porque somos, como qualquer trabalhador de outras áreas, uma maioria de anônimos, que desenvolve sua atividade sem estardalhaço, sem almejar o pódio e passando longe do vedetismo.
Acontece que nesses casos o trabalho passa por processos esgotantes. Pensa-se muito, pesquisa-se mais ainda para botar um texto pronto nas páginas do jornal ou para colocar no ar uma fala. O exercício inclui a análise de cada caso: quantas pessoas serão beneficiadas se eu produzir esta reportagem? Que tipo de interesse eu vou atender assinando uma matéria dessa? Qual é o impacto que a minha abordagem vai gerar?
São questões relacionadas à ética e à responsabilidade social de uma profissão que mexe com informações e opiniões. Escrever ou falar, sem se preocupar com elas, isso sim é coisa de vagabundo. Escrever ou falar de acordo com interesses estranhos ou próprios, ai tem um problema muito sério.
Falta agora alguns minutos para às dezessete horas. Um estrondo no final da tarde de ontem, em Londrina, foi noticiado por uma emissora de televisão. Um site noticioso repercutiu. Nenhum jornal tocou no assunto. E ninguém sabe o que aconteceu. Tremor de terra?
Alguém me diz que uma pessoa foi baleada no centro de Londrina lá pelo meio da tarde de hoje. Havia um burburinho nas proximidades do Bosque central de Londrina, onde a vítima ainda esperava por socorro. Os meios de comunicação prometem informações em tempo real nesta febre comunicacional provocada pela internet. Mas nada de informação nos sites. Será que o cara baleado era um cidadão comum?
Repercute também a informação sobre a determinação do prefeito da cidade de cobrar taxa para liberar a realização das procissões de Corpus Christi na quinta-feira, quando as ruas por onde os fiéis caminham levando as suas crenças são enfeitadas.
Mas, dá licença por alguns minutos, por favor. Desci e fui vagabundear. Fiquei por alguns momentos olhando o outro lado da rua. Carros com motoristas afoitos por uma vaga, motociclistas sobre as calçadas, a Zona Azul espoliando, a vida correndo, a moça passando, o rapaz encarando, o desocupado voltando e a minha cabeça, por frações de segundos, isenta de preocupações.
Sabe por que? Naquele momento, se alguém me chamasse de vagabundo, eu responderia com muito orgulho: "Sou, com muito prazer."

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