segunda-feira, 27 de abril de 2009

Crônica - Cheiro do outono

Eu me pego nostálgico nestas tardes de abril e não sei ao certo se é pela proximidade de maio ou por ser outono. Maio por me colocar mais perto da velhice. O outono por me devolver a infância.
Veja que, tão contraditória quanto a vida, as sensações que nos dominam também ocupam extremos opostos. Da mesma forma, às vezes os pólos se juntam e colocam dois tempos num mesmo momento: eu quero ser criança para sentir o cheiro do outono, mas preciso viver mais um mês de nascimento para perceber que estou vivo e pronto para recapitular, a todo o instante que me der vontade, os maios das diferentes fases da vida.
É provável que isto ocorra por vigorar nesta época a possibilidade de se enfrentar as diferenças de uma hora para outra. Por isso maio e outono são interessantes.
Às seis, por exemplo, no despertar, o corpo treme de frio e as mãos buscam a coberta, movidas pela preguiça de acordar, ver, pensar, planejar e ir adiante. Às nove o sol já venceu a sua batalha e se impôs, dominante, quebrando a frieza do dia. Às doze, o calor acompanha o almoço e queima a pele enrugada, forçando um bronzeado falso e de nenhum charme. Às quinze os termômetros relutam, mas descem os seus mercúrios numa vagarosidade de testar paciências.
Assim, de três em três horas chega-se às dezoito. Em clima de estiagem, dá-se nesse momento o encontro da luz e da sombra, chamando um anoitecer que estica-se ainda quente até lá pelas vinte e uma, mas rende-se ao frescor da penumbra até, no máximo, à meia-noite.
Salvo engano, mas é às dezoito que as principais contradições se enfileiram no mesmo espaço e tempo. O inverno de pouco frio do Norte do Paraná invoca nesta hora a preocupação: que blusa eu visto? Mas ainda estamos no outono, nos últimos dias de abril, e tenho maio pela frente.
Por enquanto, desprezo a busca no armário para desengavetar blusas e meias de lã. Mas remexo a memória quando uma queimada de fim de tarde levanta um cheiro de eucalipto queimado. Então eu lembro da minha casa velha de madeira muito mais velha ainda na Vila Nova, em Londrina, onde um fogão de lenha aquecia o jantar preparado pela minha mãe. Sinto vontade de ser criança, às vésperas de completar mais um ano de vida, data que eu aguardo também com ansiedade para fugir deste tempo que só me faz lembrar o passado e esperar o futuro.

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