sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Conto - O amor de Durvalina foi pro saco

Tinha uma pinta negra acima do lábio superior, à esquerda do rosto, bem no rumo do buraco do nariz. Há quem jurasse que aquilo era maquiagem, ao que Durvalina dizia que era uma benção. O formato era de um pequeno coração. Ao sol, brilhava com o efeito do suor que se esparramava no buço, algo que os maldosos chamavam de bigode.
Morena, cabelos espichados com chapinha, a mulher beirava lá os seus trinta e cinco anos de idade. As amigas mais jeitosas garantiam: "Nem parece. Você tem uma carinha de trinta aninhos e olha lá..." Nilcéia, a vizinha da frente, invejosa não deixava por menos: "Nem parece que você tem quarenta anos, Durvalina."
Já era mãe a cavaluda morena de nádegas saltadas e rego dos seios provocativamente à mostra. Não era gorda, mas cheinha, com as partes vem definidas e os excessos distribuídos alinhadamente, o que fazia dela um objeto dos desejos para muito marmanjos.
O mais velho dos rebentos Durvalina ganhou quando tinha ainda dezesseis anos. O filho, chamado Ayrton e agora com dezenove anos, foi um fruto proibido devorado por Durvalina e o namorado Adamastor, quando ela morava com os pais na casa de empregados de uma fazenda em Sertanópolis. Foi depois de uma campeada lá pelos lados do pomar, com o argumento de que iriam colher tangerinas, que o casal de namorados tomou o rumo da mina d'água. lá onde diziam os mais velhos que uma sucuri espreitava por entre o capinzal para engolir os desprovidos.
Durvalina, moradora desde criança do lugar, e o parceiro Adamastor, na época com vinte e um anos e gabarola por ter feito o tiro de guerra em Londrina, sabiam que a história da gibóia era cascata. Adamastor, macho de pegar taturana com as mãos e de torcer pescoço de gambá girando o bicho com uma só mão, dizia que se a bichona viesse se arrastando ele a deixaria parada com uma chave de braço ali bem no pescoço e controlaria o resto da cobra com o outro braço. Nunca, mesmo entre os mais espertos, se fez alguma pergunta sobre onde ficaria o pescoço da gibóia. Mas nem todos acreditavam no papo do mancebo e dizim que tudo não passava de tagarelice.
Pois então. Adamastor justificou e disfarçou: "Vou apanhar tangerina mas não quero moleque por perto. Só atrapalha." Desceu sozinho e pouco depois Durvalina deu uma volta na casa, usando o carreador, pulou a cerca de arame farpado e correu pela área de pastagem até se encontrar com o namorado no pomar. Ele já havia apanhado umas frutas, para não voltar de mãos abanando. Ela, se não segurasse, a vontade, se entregaria aos beijos ali mesmo.
Adamastor se conteve e sugeriu o bambuzal ao lado da mina, cerca de trezentos metros. Ali havia uma espécie de cova feita pelos meninos só para as sacanagens. No meio do bambuzal, a moçada havia aberto uma clareira, acolchoada com palhada seca, para fumar escondido dos pais e aprontar com as meninas que topassem um namoro mais forte.
Durvalina e Adamastor nem beijos trocaram. As roupas tiradas pela metade só sairam por completo depois do sobe e desce dos corpos suados. Gemidos abafados quebraram a monotonia do zumbido reto e sem acordes produzido pelo vento nas folhas. Depois o silêncio e o jeito de atordoados estampado nas caras de ambos, que se refizeram para subir até o pomar, catar as tangerinas espalhadas pelo chão e voltar para os parentes.
Antes, Durvalina e Adamastor correram até a mina e lavaram os sexos coma água que lá em baixo, na altura do sítio de dona Cida do Fogão a Gás, o pessoal usava para beber de tão límpido que o líquido descia.
A segunda filha, Carolina, foi também de mãe solteira. Mas de um namoro mais promissor, que só não aconteceu porque Carlos Antonio foi servir o Exército em Curitiba e acabou ficando por lá, para seguir carreira militar. Durvalina esperou pelo retorno de Carlos Antonio, que prefiriu uma loira colegial de um bairro médio da capital. Adamastor, ainda nas proximidades, tentou se recompor com Durvalina. Não deu sorte, pois a ex-namorada nunca o perdoou por ele ter mexido com Valdirene, uma vizinha que, conforme os boatos, se abria para qualquer um que usasse calça comprida.
O terceiro filho, Alexandre, outro deserdado de pai, nasceu de mais um relacionamento inacabado de Durvalina. Foi com Joaquim da Quitanda da Frente, como era conhecido o português que trocou uma mercearia da Vila Casone, em Londrina, por um pedaço de terra no Distrito da Warta. No lote, além de plantar para consumo próprio ajeitou um barracão de madeira na beira da estrada, onde vendia defumados, cigarros, pinga, cerveja, pão, sabão, detergente, óleo de soja e linguiça cortada em porção.
Foi lá que Durvalina conheceu Joaquim e passou a ser uma frequentadora assídua do estabelecimento quando vinha de Sertanópolis para Londrina. Num meio de semana, lá pelas três da tarde, horário de pouco movimento e de cara de sono, que o menino foi concebido.
Agora Durvalina está de enrosco com Ernesto, um motorista de ônibus. Ela ainda causa ciúmes no quarentão, que é casado com Amanda Neves e pai de Clarissa e Rodrigo. Lá nas redondezas dizem os malditos que está a caminho mais um filho sem pai. Preocupada, Ligia Leandra, uma prima de Durvalina que mora na cidade, andou recentemente perguntando para a parente: "Parece que você não ama homem algum? Vive de enrosco e engravida..." No que Durvalina, mais por ironia, respondeu: "Amor, minha prima? Onde é que eu sinto isso? O meu sentimento pelos homens hoje em dia está mais no saco. E tem que ser grande."

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