quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Conto - Nome de velho

Genivaldo morava pra lá da ribanceira que dava na fazenda do seu Nico, poderoso dono de terras vindo lá de Minas, Estado vizinho de onde o adolescente, quase moço, nasceu há 14 anos. O goiano era a mistura do negro com o polaco. Do couro cabeludo saiam os pichainhos ruivos, embaraçando escovas e quebrando dentes do pente.
Novo, mas matuto, falava e agia como os adultos. Sabia contar vantagens e nelas mentia como um escolado proseador de causos inventados. Nunca se viu Genivaldo vermelho da cor da vergonha após ser sarreado por alguém numa conversa na porta do bar do Zé Antônio, o único estabelecimento comercial fincado naquele entrocamento modorrento com a reta levando para a propriedade do seu Nico e o desvio, à direita, fazendo caminho para um par de sítios de pequeno e médio portes.
Uma das galhofas era em torno do seu nome, Genivaldo. Já era tempo até de cantor de música sertaneja ganhar estrelato com estampa de luxo, como Rick & Renner, só dando um exemplo. Nada parecido com Tonico e Tinoco ou até Chitãozinho e Xororó, que embora modernosos e ouvidos mesmo cantando modinhas urbanas tinham ao menos nos nomes um tico de raiz do mato.
Então qual era a causa de um menino de 14 anos ter nome de velho? A pergunta era mais por ironia, já na hora em que os antigos, cabeças atoladas em bonés com propaganda de veneno, tropeçavam nas garrafas de cerveja. De resto, sobravam os copinhos de trago, com o cheiro da branquinha enjoando, enfileirados na beira da parede de madeira do bar onde mulher não entrava depois das seis da tarde.
Dizia o velho João Marcelino, em tom de puro deboche, que Antenor e Maria do Amparo esperavam a vinda de Geni, uma menina para completar o time de quatro rebentos gerados pelo casal. A preferência por uma moça se dava por causa do precedente: três sacos roxos barulhentos desde o nascimento e resmungões, de boca aberta para soltar palavrões até em discussão com mulher. Mas nasceu outro pé grande, com cara de safado desde o primeiro tapa na bunda dado por uma enfermeira magra e de seios grandes.
Ainda atordoada pela passagem do graúdo do útero para a vida de fora, num parto normal doloroso e sem piedade do médico do hospital público, Maria lembrou do avó, falecido fazia três anos, que se chamava Valdemar. Para não desperdiçar Geni, nasceu Genivaldo, cuja terminação tem pouco a ver com o morto Valdemar mas serviu de inspiração.
Dita assim, a lorota não acabrunhava o adolescente, que entre um descuido e outro do pai e dos irmãos mais velhos virava o copo de alguém conivente e dava uma talagada de cerveja quente, um purgante, cujo efeito era a vermelhidão da cara rabiscada de sardas. E retrucava: Genivaldo, um antepassado, fora em Minas um corajoso desbravador que defendia suas lavouras e suas criações a facão contra o roubo cometido por vizinhos desavisados e o ataque de onças e leões.
Havendo tempo, a história prosseguia por mais uns capítulos, até chegar na gibóia de uns quinze metros que o bravo Genivaldo abateu após uma luta de três horas. A carne da comprida servira urubus por mais de dias, concluia o adolescente já na hora do Zé Antônio fechar a porta de tábuas do estabelecimento e garantir o seu patrimônio com um cadeado de latão enferrujado.
Por desaforo, ninguém contestava e muito menos ria da história. O grupo, sem combinação nenhuma, acertava uma reação de silêncio e pouco caso. E tomavam os rumos de seus sítios se arrastando, tropegos, pelo batidão de terra. Ainda pegavam o final da novela das oito, cujas cenas jamais seriam comentadas na tarde seguinte, no encontro do bar, por pura questão de hombridade: macho não assiste novela. Nem precisava. Pois no bate e rebate da história do nome de Genivaldo, cada dia uma versão diferente aparecia e consumia horas de criatividade e gargalhadas.

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