quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 20

Uma mecha com poucos fios de cabelos transpunham a cabeça do professor Eugênio, auxiliar de direção do Complexo Escolar Professor Vicente Rijo, na avenida JK, esquina com a Higienópolis, em Londrina. Magro, o auxiliar era chamado pelos estudantes de Professor Pardal, nunca devido à criatividade de um gênio ou em referência ao seu nome, mas por culpa do perfil físico. Os cabelos saiam da lateral esquerda da cabeça e as pontas encostavam na orelha direita. A tentativa era de cobrir parcialmente a careca, num disfarce cômico.
Eugênio era um excelente professor de ciências. Como auxiliar da direção, tinha uma postura austera e impunha medo nos estudantes. Riuzim era aluno do noturno. Embora morasse na Vila Nova e tivesse como opção o Colégio Marcelino Champagnat, decidiu, com uma turma de colegas, mudar para o Vicente Rijo acompanhando a mudança de endereço do estabelecimento de ensino público tradicional da cidade.
Riuzim saía cedo de casa, pois trabalhava como aprendiz no escritório de um parente, na região central de Londrina. Fazia os serviços de banco, providenciava a limpeza do estabelecimento e era responsável pelas atividades que nada tinham a ver com as máquinas de escrever ou de calcular. Era, na verdade, um office boy.
O almoço se limitava a um lanche num bar próximo. O pão com mortadela era o prato principal e uma tubaína gelada ajudava a matar a sede e a preencher o vazio do estomago. O descanso após a refeição era feito num banco da praça em frente à antiga sede do Colégio Londrinense.
O retorno ao escritório, uma hora e meia depois, se dava em clima que misturava euforia e preguiça. Euforia pela possibilidade dos ponteiros do relógio correrem. Preguiça devido à volta ao trabalho, com o arroto do refrigerante e do sanduíche causando olhares de reprovação por parte dos colegas.
Uma nova ida aos bancos, entrega de pastas em empresas clientes, levar café para o tio, comprar pão e leite para a escriturária e acompanhar a tia no supermercado estavam na lista de atividades para o período da tarde. Às vezes, o carro do parente, sujo nos inícios da semana, obrigavam Riuzim a assumir a função de lavador.
A jornada diária terminava às seis da tarde. Antes de deixar o serviço, Riuzim limpava as mesas dos escriturários e contadores, esvaziava as latas de lixo, varia o chão do escritório. Só depois passava uma água fria no rosto e no pescoço, usando um papel-toalha para se enxugar. Uma bolsa colegial branca de ziper, com o emblema do estabelecimento de ensino, continha, além de livros, cadernos e canetas, um pão com manteiga preparado de manhã pela mãe.
O lanche era devorado no caminho, feito a pé, do escritório até o Vicente Rijo. Escondido em um saco plástico num canto da bolsa, um maço todo amarrotado por causa do tempo em que ali ficava escondido e também devido ao volume dos livros continha cigarros tortos. O sabor era de mente, para alimentar a ilusão de não chegar a escola com o cheiro da nicotina na boca e nas mãos.
Depois do lanche Riuzim escolhia um local ermo e disfarçava na procura do maço de cigarros dentro da bolsa. O que retirava necessitava de uma espécie de massagem delicada para que os amassados fossem eliminados e o fumo, desconcentrado, fosse socado na unha do polegar. Um isqueiro niquelado comprado em tabacaria, com forte cheiro de fluído, era transportado no compartimento da frente da bolsa.
Acender o cigaro era um ato engenhoso e suspeito. Riuzim observava os carros que iam e vinha, para evitar ser flagrado por algum parente. Só nos pontos mais escuros da Higienópolis, ondes as folhas das árvores cobriam a luminosidade das lâmpadas, é que o cigarro era aceso.
Riuzim não sabia tragar. Tinha vergonha de dizer aos colegas da mesma idade que ainda não tragava, pois seria motivo de ironia. Um dia Riuzim decidiu que, após o pão com manteiga, no caminho do colégio, acenderia quantos cigarros fossem necessários para aprender a tragar.
Foi no segundo que sentiu a fumça entrando na garganta. Sentiu-se feliz, decidiu que depois daquele acenderia outro, para evitar o risco de desaprender a tragar.
O terceiro cigarro, já perto do Vicente Rijo, foi fatal. O estomago começou a embrulhar e a cabeça doia. O chão faltava sobre os pés. Os olhos embaçavam. Uma reação parecida com uma forte ressaca, sensação que Riuzim nem havia sentido ainda por não beber, fez Riuzim procurar apoio na mureta externa do colégio.
O sinal bateu e o inspetor de aluno rodou pelo pátio do estabelecimento de ensino a procura de estudantes que matavam aulas. Riuzim, do lado de fora, foi reconhecido e levado para a diretoria. Mal conseguia falar, mas o forte cheiro de cigarro denunciou o estado do adolescente.
Depois de um remédio e duas balas de hortelãs, o auxiliar da direção ocupou-se com Riuzim por mais quarenta minutos. Mais da metade do tempo para uma reprimenda. O outro tanto para a elaboração de uma carta aos pais de Riuzim, denunciando-o de matar aulas para ficar fora do pátio fumando.
A carta teria que ser devolvida para o auxiliar com a assinatura da mãe, do pai ou do responsável pelo aluno. Enquanto o documento não chegasse às mãos do auxiliar Riuzim não poderia frequentar as aulas.
Foram dias de angústia, medo e arrependimento. Riuzim não sabia como apresentar o documento para a mãe. Colegas o convenceram a pedir a alguém uma assinatura falsificada. Riuzim concluiu que seria um pecado para com a mãe. Melhor seria desistir da escola, dizer que queria mudar de colégio.
Do flagrante, na terça-feira, a carta só chegou à Margarete na manhã da segunda-feira seguinte. Cabisbaixo, Riuzim mentiu. Disse que havia ganho um cigarro de um colega e fumado. Passou mal e foi reprimido pelo auxiliar. Margarete, olhar terno e complacente, apenas retrucou, de um jeito calmo, que o cigarro não era um negócio bom para a sua idade. Nada mais disse e assinou a carta, que à noite foi devolvida para o auxiliar.
Riuzim perdeu uma prova de matemática durante as faltas. Perdeu também a liberdade e a desenvoltura com que abraçava a mãe quando chegava, às onze e meia da noite, da escola. Nunca mais conseguiu parar de fumar e retornava para casa com a sensação de estar traindo a mãe.

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