quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 16

Ademar de Barros era o governador do Estado de São Paulo, mas na distante Londrina, Margarete integrava o grupo de brasileiros que admiravam o político que por duas vezes comandou o governo paulista, foi deputado estadual e federal e também prefeito de São Paulo. Margarete nem tinha noção do termo usado para denominar os seguidores daquela autoridade: ademaristas. Mas sabia que ele era médico, aviador e empresário de uma indústria tradicional de chocolates.
Um dia, a campanha política trouxe Ademar de Barros para a casa de Margarete. No início da tarde, um grupo de pessoas procurou a casa velha de madeira e bateu palmas no portão. Era a equipe responsável pela organização de um comício, que percebendo uma placa de madeira na parede da frente com o nome do candidato para quem o evento seria realizado, não hesitou em pedir os favores: puxar a eletricidade para as luzes na carroceria de um caminhão e os dois microfones do sistema de som.
Margarete nem se preocupou com os gastos extraordinários com a energia elétrica. Cedeu a sua luz e recebeu a notícia de que além dos candidatos locais, viriam alguns políticos estaduais e um grande líder nacional, o governador Ademar de Barros, de São Paulo. A moradia simples de Margarete seria usada para um descanso das autoridades, informaram os organizadores.
Para Margarete a notícia não poderia ser melhor. Numa época em que só o rádio chegava às diferentes localidades do país, o que se conhecia num lar modesto como o de Margarete era que o político paulista era um salvador da pátria. Raramente um exemplar velho da revista O Cruzeiro, com algumas informações sobre a política nacional, incluindo a de São Paulo, chegava às pessoas de menor poder aquisitivo. A carência de informações alimentava um sistema, que era benéfico aos poderosos.
Margarete não sabia que em 1941 Ademar de Barros fora acusado de corrupção, tendo como uma das pessoas a lhe apontar o dedo nada menos que o presidente Getúlio Vargas. E se soubesse, provavelmente Margarete relevaria o fato. Também não sabia que em 1940 Ademar de Barros foi destaque com uma medida às avessas da democracia, quando confiscou o jornal O Estado de São Paulo. Se soubesse, Margarete provavelmente diria que o político tinha razão.
A rua Juruá, na Vila Nova, tinha ainda postes de madeira e neles os candidatos pregavam as suas plaquetinhas com propaganda eleitoral. A poeira em dias de sol era aceita com normalidade pelos moradores. Mas a lama, após as chuvas, geravam muitas queixas, principalmente das mocinhas que iam trabalhar em outros bairros.
Bem ali, no poste em frente à casa de Margarete, que o caminhão do comício estacionou por volta das cinco da tarde. Alguns operários trataram de ajeitar a cobertura de lona, enquanto os outros penduravam as bandeirolas com as fotos dos candidatos. A fiação foi puxada e os testes com as luzes deram positivo. Os alto-falantes, estridentes, começaram a despejar jingles em seguida, trocando a monotonia do bairro por um fim de dia barulhento.
As crianças trocaram o jogo de bola pela algazarra nas proximidades do caminhão. As adolescentes iniciaram um footing, fazendo um vaivém com as chinelas empoeiradas pela rua. Às sete da noite de um mês de setembro, dia do inverno de temperatura amena, o clima em frente à casa de Margarete já era de festa. Ela preparou um prato de bolachas sortidas e deixou no jeito um café para oferecer aos políticos.
Faltava pouco para às oito horas da noite quando a comitiva chegou. Um carro preto, placa oficial, parou e dele desceram cinco engravatados. Conduzidos para a casa de Margarete pelos assessores, as autoridades usaram a privada do fim do quintal para as necessidades e sobre o chão de cimento bruto da cozinha tomaram café e experimentaram bolachas.
Lá fora, músicas e gritarias, que foram interrompidas quando os políticos pisaram no palco improvisado na carroceria do caminhão. Margarete sentiu-se realizada. Era a sua participação na política que se concretizava. Semanas adiante ela compareceria nas urnas para votor. O voto feminino, instituído em 1932, ainda era recente no Brasil.

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