segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 15

Ana Cristina havia completado os 42 anos de idade fazia menos de um mês. A pele morena e o sangue mestiço eram fiéis aliadas da mulher, que casou quando tinha apenas 17 anos e era mãe de duas moças. Magra, alta e jovial, ela formava com as filhas um trio de mulheres atraentes e belas.
Mineira, Ana Cristina chegou ao Norte do Paraná ainda menina. O rosto denunciava traços caboclos, com forte presença indígena nos olhos e nos lábios carnudos. O nariz, pequeno e delicado, tinha na ponta arredondada a mais evidente manifestação de uma mistura forte, carregada também pelo negro. Os cabelos crespos desciam até os ombros e mereciam, de vez em quando, uma sessão de escova. Lisos, eles davam à mulher uma aparência exótica.
O pai de Ana Cristina escolheu a terra roxa de Londrina assanhado pela fase de ouro do café. O desfecho de um processo de herança permitiu a ele a compra de um sítio de 12 alqueires no distrito de Guaravera, onde uma área de seis alqueires já estava com a cultura. O resto servia de área de preservação, pastagem, hortaliças e pomar. O milho, mais para o consumo da própria família e para os animais, ocupava quase dois alqueires. O feijão também tinha um pequeno espaço, que não chegava a dois hectares mas dava colheita, em ano bom, para o consumo de quatro meses.
Oito pessoas moravam na casa-sede da propriedade rural, construída em madeira. Ana Cristina tinha uma irmã, com quem repartia um pequeno quarto, e quatro irmãos, que ocupavam duas beliches num cômodo maior. O pai e a mãe ficavam com o quarto da frente, cuja janela dava para a estrada, ali bem distante, porém visível em dia claro. Por ali passavam os caminhões, ônibus e os pequenos veículos com destino a Curitiba.
Um barracão, cerca de vinte metros à esquerda da casa, era usado como tulha e despensa. Rente à porta eram guardados os enxadões, os rastelos, as vassouras e as caixas de ferramentas, com martelos, alicates, chaves de fenda e pé de cabra. Ali, quando menina, Ana Cristina e a irmã, Maria Selene, brincaram de bonecas de pano. Nem a ameaça da doença de Chagas, devido à presença do bicho-barbeiro, punha rédeas nas crianças, que abusavam do perigo durante a diversão.
Ana Cristina estudou até o então quarto ano primário em uma escola rural próxima. O ginásio foi feito em Londrina, graças a uma perua Kombi que transportava os escolares todos os dias, só deixando de carregar as crianças em dias de chuva muito forte e estrada intransitável por causa da lama. Com 16 anos Ana Cristina chegou ao curso colegial, quando o contato com a cidade já interferia no comportamento de uma adolescente ansiosa por novidades.
Foi quando ela conheceu Jorge Cervantes, 23 anos, membro de uma religião evangélica e escriturário de um cartório de registro. O namoro correu a uma velocidade apressada e um ano depois Ana Cristina e Jorge estavam noivos. Ana era católica e seguia uma tradição familiar rigorosa. A fé, diferente, criou alguns impasses entre os parentes dele e dela, mas nada que o bom-senso do pais da moça não pudessem contornar. Uma gravidez precipitada agilizou a união dos adolescentes no civil, ficando o casamento religioso em aberto, devido à intransigência das duas igrejas.
Ana Cristina teve Amanda Maria primeiro. Um bebê que pelos traços cresceria morena, como a mãe, de olhos pretos, porém cabelos lisos. Dois anos depois Ana Cristina teve Elisângela, uma loira, de olhos muito mais azuis que o do pai.
As meninas já estavam com cinco e três anos de idade quando Ana Cristina fez, pela primeira vez, a sua influência prevalecer sobre o marido. Convenceu-o a se tornar um católico, aproveitando que Jorge, nos últimos anos, havia deixado de ser um membro assíduo da sua religião. Não demorou muito e Jorge, participante ativo das atividades da paróquia, não se sabe se por vontade própria ou para contentar a esposa, tornou-se um ministro.
Mais um tempo se passou e Ana Cristina jogou a sua segunda carta. Na época, o distrito de Guaravera, a pouco mais de 40 quilômetros de Londrina, já não podia ser considerado um lugar monótomo e sem vida, apesar do declínio da cafeicultura e da entrada da monocultura no lugar. Mas Ana Cristina queria contemplar a sua necessidade de ser urbana, vivendo numa quase metrópole. Por isso convenceu o marido a deixar o sítio nas mãos de agregados e comprar uma casa em um bairro de Londrina. Jorge cedeu mais uma vez.
Sem a presença do proprietário, o sítio, antes administrável, começou a ser apenas mantido. Ana Cristina aproveitou a mudança e prosseguiu os estudos. Passou no vestibular em pedagogia e adquiriu mais vontade ainda de ser uma mulher urbana. Frequentava os salões de beleza todas as semanas, alisando os cabelos e fazendo as unhas. As roupas, sempre bem caídas e compradas em lojas de melhor padrão ajudavam a fazer dela uma pessoa admirada. Os olhares masculinos constrangiam Jorge a caminho da paróquia do bairro onde moravam.
Ana Cristina jurava amor a Jorge. Mas um dia apareceu Riuzim, para quem ela continuou jurando amor a Jorge, recorrendo a uma indiferença em relação ao novo personagem que, que no entanto mais aproximava. Um dia Riuzim se declarou. Ana Cristina vacilou, mas não mostrou segurança na sua recusa. E ambos se envolveram numa relação que foi desenrolada em cima de uma estrada de muitas curvas e ondulações, por um tempo interminável e uma necessidade cada vez maior de que os sentimentos entre ambos se eternizasse, apesar dos conflitos e destemperos presentes no livro do passado dos dois.
Ana Cristina e Riuzim apostavam que o livro jamais seria aberto, pois haviam decidido cunhar a mais dura madeira para viverem sempre juntos. Não previam que rachaduras poderiam acabar com sonhos e projetos. Ela deixou Jorge Cervantes e não se contentou com Riuzim. Fez o seu plano de vida longe dos dois homens que imaginou, por algum momento da vida, ter amado.

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