sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 14

O suor das mãos empapa o envelope. Dentro, cópias de currículo para serem entregues em empresas do setor gráfico de Brasília. O percurso entre uma gráfica e outra é feito a pé, após idas e vindas por viadutos, elevados e avenidas extensas e largas. A capital federal é uma grande cilada para quem anda a pé, apesar de todos os elogios aos seus idealizadores.
Riuzim deixou Londrina, a cidade onde nasceu, após um currículo de quatro anos como aprendiz de prótese dentária, seis anos como escriturário de um banco, outros seis anos em um órgão público e vinte e dois anos na oficina de impressão de uma gráfica conceituada da cidade. O período de aprendiz foi cumprido sem o registro de carteira e não conta para a aposentadoria. Ainda assim, Riuzim poderia acrescentar sua renda obtendo o benefício na condição de proporcional, não fosse a idade mínima exigida, de 53 anos. Um ano e alguns meses o separam da aposentadoria.
A saída da indústria gráfica, onde ele entrou como auxiliar administrativo, ocorreu num momento de planejamento. Riuzim havia chegado ao cargo de gerente-geral após passar por chefias e supervisões. No comando de uma equipe de cerca de cento e cinquenta funcionários, Riuzim sentia-se seguro. Conhecia o ramo e tinha consciência que desenvolvia um trabalho de resultados vantajosos para os patrões. A empresa crescia no ramo. Materiais de boa qualidade saiam de seus equipamentos. As contas mantinham-se estáveis e os sócios sorriam após o fechamento de cada balanço mensal.
Um dia, não por descuido, mais por precaução, um contrato deixou de ser fechado. No passado a gráfica havia amargado prejuízos ao rodar materiais de campanha política para um candidato a deputado estadual. Derrotado, o político ignorou a dívida. Cheques dados por assessores para garantir o pagamento retornaram quando colocados no banco. A indústria decidiu, então, contabilizar as perdas e esquecer o cliente.
Quatro anos depois o mesmo político retornou à campanha eleitoral. Procurou a mesma gráfica e Riuzim recusou o trabalho. A pressão exercida por um grupo de parceiros do candidato, sobre um dos sócios, resultou na demissão de Riuzim e iniciou um angustiante amanhecer de disparos de currículos por e-mail, além de contatos pessoais e por telefone para se recolocar no mercado de trabalho. À noite, os e-mais e a secretária eletrônica eram religiosamente conferidos. Antes, com uma leve esperança de algum retorno. Depois da conferência, com a dúvida sobre o futuro e a insegurança.
Um dia Riuzim decidiu que teria que deixar Londrina. Amargurado com a cidade que não lhe dava um emprego e com a política que gravitava sobre ela, partiu para bem longe e despertou uma manhã, após uma cansativa e demorada viagem de ônibus, no Distrito Federal. Escolheu aquelas paragens não por um acaso. Na verdade, julgou que os grandes centros seriam mais concorridos e considerou Brasília um lugar próspero.
Ali correu chão, de ônibus, de vans irregulares e de metrô. Andou por locais desconhecidos, suou a camisa no verão quente da capital, percorreu os labirintos do setor comercial e caiu na área das gráficas. Em muitas das grandes indústrias não passou da recepcionista.
O envelope de cor marrom, com os currículos já umedecidos pelo suor, acompanhou o desempregado, passando de uma mão para outra, por dias de muita agonia. Em gráficas menores Riuzim conseguiu alguns trabalhos temporários. Nas demais percebeu que Brasília é a localidade das influências. Projetos apresentados tiveram destino ignorado. Possibilidades imaginadas perderam-se com a constatação de que ele, naquele lugar desconhecido, não era ninguém.
Riuzim conhecia alguns políticos da sua cidade natal. Podia ter recorrido a alguns deles. Não pediria um emprego, apenas queria que alguma porta se abrisse para que ele não tivesse que deixar a prova dos seus mais de trinta anos de trabalho na portaria de uma empresa. Mas Riuzim relutou e não pediu nada. Um dia, após horas de caminhada e de contatos, Riuzim percebeu que seu passado de nada valia. E concluiu que, com os seus 51 anos de idade, estava muito velho para uma vaga no mercado de trabalho. Foi quando Riuzim escolheu o local ermo de uma rua e chorou como uma criança. A velha casa de madeira, tão presente em sonhos e pesadelos, passou diante dos seus olhos, lacrimejados, como as cenas de um filme. O cheiro de limão rosa e da manga coquinho pode ser sentido a um soluçar mais profundo e o maracujá doce que se comia sem colher, lambuzando as mãos, nunca fez tanta falta quanto naquele momento de tristeza.

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