quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 13

Os cavalos eram fundamentais nos pequenos negócios dos bairros simples e sem asfalto de Londrina. A Vila Nova, cortada pela rua Araguaia de oeste a leste, tinha a sua via comercial calçada com paralelepípedos. A parte de cima, a partir da avenida Rio Branco, era desprovida da qualquer benfeitoria desde o trecho abaixo da linha férrea até a rua Tietê. Depois daquele ponto uma plantação de banana descia e chegava à margem da BR-369. Os pais recomendavam aos filhos que era muito perigoso as crianças brincarem perto do bananal, como era conhecida na época a região. Cobras, cães ferozes, abelhas e bandidos que ensacavam os pequenos eram as ameaças relacionadas pelos adultos para amedontrar.
A sete ou oito ruas abaixo da avenida Rio Branco o asfalto já havia chegado, graças à Paróquia Nossa Senhora Aparecida. A frequência da casa religiosa nos finais de semana, com missas, outras celebrações e quermesses na praça em frente, obrigou as autoridades municipais a levarem a melhoria para parte do bairro. Nos dias de chuva, católicos que moravam na região sem asfalto chegavam às missas com os sapatos imundos de terra. Os homens arregaçavam as bainhas das calças e as mulheres, de vestidos até os joelhos, levavam nas bolsas pares de sandálias que podiam ser trocados pelos sujos. Na estiagem, a poeira manchava de marrom o brilho negro dos calçados engraxados pouco antes.
Os bares da rua Araguaia vendiam de sabão em pedra a pão, adquiridos de fornecedores de outras localidades de Londrina. Uma padaria recém-inaugurada assanhava com os bolos confeitados nos balcões. Os sorveteiros empurravam os seus pesados carrinhos pelas vias esburacadas e acordavam as crianças som os seus apitos estridentes, minutos depois de o vendedor de bijú arrancar impropérios de algumas mães, por causa do barulho do estalo de madeira. Mas os pães preferidos pelas donas de casa não eram comprados nos bares ou na padaria. Elas esperavam pelo padeiro, um moço magro e alto que estalava os lábios e socava as rédeas do cavalo para seguir adiante e cumprir a sua tarefa diária de entregar pães de porta em porta. Com as mesmas mãos que ele acariciava as crinas do animal, o padeiro embrulhava os pães escolhidos pelas consumidoras. Havia quem dissesse que muitas mulheres esperavam ansiosas pela chegada do padeiro, por voltas das três da tarde. O pão era apenas um argumento, o que elas queriam mesmo era admirar o moço.
Elas também recebiam diariamente a visita do bucheiro, mas este, com as vestes sempre ensanguetadas, não merecia admiração. No carrinho vermelho puxado pelo animal marrom escuro, ele vendia o bucho que virava dobradinha, o figado e o rim que se transformavam em mistura de um dia da semana. De manhã passava o verdureiro, com os caixotes de alface, batatinha, cenoura, pepino, mandioca e outros produtos ocupando até o assento da carrocinha que era reservada para ele. O único a visitar as donas de casa de bicicleta era o peixeiro. A sardinha era a opção de sempre, pois raramente ele trazia outra espécie. O produto era pesado na balança manual que continha o prato, pendurado por três correntes, e o medidor manual manobrado pelo próprio comerciante.
Riuzim não gostava de bucho e odiava o bucheiro. Riuzim tinha nojo do rim e tinha vontade de xingar o bucheiro. Riuzim detestava figado e resmungava contra o bucheiro quando a mãe dizia que o produto era muito bom para a saúde. Riuzim gostava do pão fresco que o padeiro trazia todos os dias e sua mãe comprava regularmente. Margarete, a mãe, comprava bucho, rim e fígado para fazer a mistura porque os preços eram mais em conta do que a da carne de segunda vendida no açougue da rua Araguaia. Margarete comprava pão porque dizia que o produto do padeiro era bem mais fresco que o vendido no bar. Margarete tinha uma pequeno horta no seu quintal, mas tinha que comprar a batata e o pepino que o verdureiro trazia de algum sítio dos arredores da cidade.
Uma vez por semana os moradores recebiam a visita do vendedor de lenha, usado para a cozinha nas casas que não dispunham de fogão a gás ou no quintal, em armações levantadas de tijolos, para aquecer a água dos latões e ferver a roupa encardida. Também uma vez por semana, durante a safra do café, os carroceiros chegavam com os seus animais exaustos. Traziam muitas sacas de café que eram deixadas nas casas de algumas famílias. Mãe, pai e filhos ajuntavam punhados do produto na mesa e faziam a catação, separando os que estavam estragados. Dias depois os carroceiros voltavam e verificavam com uma punha se a catação havia sido feita de acordo com o padrão. Em caso positivo, por cada saca limpada a família recebia um valor. A catação de café era um meio de vida. Quantas vezes Margarete castigou seus filhos após desobediências com doses extras de catação...

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