quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 12

Silvana tinha 19 anos quando engravidou, ainda solteira. Um namoro de pouco mais de um ano resultou na precipitação, numa época em que esse tipo de descuido gerava comentários na vizinhança. Para Margarete, a gravidez foi um vexame. Ela havia percebido diferenças em Silvana meses antes de ter a confirmação. A moça dormia mais do que o normal e começou a apresentar um inchaço suspeito. Tornou-se arredia com a mãe e falava pouco com os irmãos. Quando o formato da barriga começou a denunciar a vinda de um bebê, Margarete chamou Silvana num canto e encurralou a filha.
Antes magra e delicada menina, atraente apesar das roupas simples e dos chinelos de tiras habituais no seu dia-a-dia, Silvana, largada dentro de um vestido solto de estampas miúdas, parecido com uma camisola, tinha naquele dia os cabelos negros e lisos que chegavam aos ombros amarrados num rabo de cavalo desleixado. O rosto de traços finos apresentava manchas de cansaço ao redor dos olhos, que denunciavam horas de insônia e choro. Acuada pela mãe, Silvana parecia estar na ponta da fila da tortura, diante de um executor prestes a dar a primeira chibatada. Os olhos lacrimejavam e a voz falhava durante a narração de uma história cujos detalhes, em alguns capítulos, era respingada de cenas que ela gostaria de esquecer.
Silvana conheceu César Batista numa quermesse na praça da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, na Vila Nova. Foi numa noite de sábado. Entre um prato de batata frita e um grão de milho na cartela do bingo, Silvana recebeu o primeiro correio elegante de César Batista. Era a forma como os jovens se comunicavam antigamente nas paqueras de quermesses. O texto, escrito com uma caligrafia arredondada e firme, pediu a moça em namoro. Naquela forma de contato, o portador do bilhetinho de paquera era comumente a pessoa que voluntariamente trabalhava como garção na festa promovida pela igreja. A resposta retornava da mesma forma e pela mesma pessoa. Até que o namoro fosse acertado entre as duas partes, muitos bilhetes eram trocados, algumas porções de batata frita eram consumidas e, eventualmente, pedia-se também um frango assado, tudo regado com cerveja ou refrigerante. Os mais românticos usavam o sistema de alto-falante para fazer uma declaração de amor e dedicar músicas. Renato e Seus Blue Caps repartiam as preferências do público com Os Incríveis e Golden Boys, enquanto as canções de Roberto Carlos eram reservadas para os momentos dos beijos. Credence e Beatles mexiam com os corpos da rapaziada, que ensaiavam na praça os passos para serem mostrados na brincadeira dançante do próximo fim de semana.
Silvana decidiu que o correio elegante enviado por César Batista merecia uma resposta imediata. Há semanas ela correspondia aos olhares apaixonados do rapaz, que trabalhava numa farmácia bem na rua que ela passava para ir e voltar do trabalho, num mercado localizado no bairro vizinho. Silvana consentiu com o namoro e das quermesses nos sábados e domingos optou pelas brincadeiras dançantes, como eram chamados naqueles tempos os pequenos bailes realizados nos finais de semana normalmente na casa de algum conhecido. No começo, o caminho de volta, sempre antes das onze da noite, limitava-se a troca de beijos longe das lâmpadas incandescentes dos postes das ruas. Eventualmente a dança era trocada por uma sessão de cinema, onde os lanterninhas da época eram preparados para iluminar qualquer indício de abraço mais demorados entre as poltronas da sala de exibição.
Num domingo, justamente após o cinema, Silvana e César Batista não conseguiram se conter. Já haviam trocado carícias e ambos já conheciam as fraquezas um do outro nas loucuras do amor. A descida do centro até o bairro foi feita a pé, incluindo a travessia de um trecho perigoso à noite, a da linha férrea. Foi naquelas alturas que a quentura dos corpos descontrolou , num canto de capim mais alto, a noção de perigo do jovem casal. Perigo de um assalto e de uma gravidez. Em instantes, de pé sobre a poeira e as britas da ferrovia, ambos consolidaram o amor que sentiam em sensações que nunca antes haviam experimentado. Outras descidas do cinema e retorno das brincadeiras dançantes comprovaram o quanto era bom amar. Numa dessas aventuras a gravidez se disse presente.
Silvana só tomou pé da situação dois meses depois, por causa dos enjôos e da falta de menstruação. Mas não foi ao médico, para evitar que uma comprovação da gravidez chegasse aos ouvidos da mãe. Teve também receio de comunicar César Batista. A preocupação era com a reação do rapaz. No quinto mês, ainda sem assistência médica, obrigou-se a conversar com o namorado, que mais afoito com o sexo do que com o bem-estar da namorada nem havia percebido as mudanças físicas e emocionais de Silvana. O que ela temia aconteceu: César Batista deixou o bairro e foi morar com um tio numa fazenda na cidade vizinha. Aos pais disse que pretendia estudar agronomia e o contato com as coisas do campo seriam úteis.
Quando Margarete, com sua fala rígida e gestos certeiros acertou a mão direita no rosto de Silvana, a moça já estava no sexto mês de gravidez. Sofria a perda do namorado e pai da criança que esperava. Chorava pelo constrangimento, muito mais doido que o tapa que recebera da mãe.

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