sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 4

O sono é cortado pela forte pressão nas costas. A madrugada do fim de inverno é de temperatura amena e o cobertor está no chão, fazendo um monte sobre o par de chinelos. As mãos, pesadas, empurram o corpo contra o colchão da cama de solteiro, imobilizando-o. A reação é de medo e o desespero confunde. Seria um assalto? A tentativa de gritar por socorro é lograda com a voz que não sai. O esforço para abrir o pulmão e fazer o som atravessar a garganta é inútil. Nem grunhidos escapam dos lábios.
Vã também é a necessidade de ver quem é o inimigo. Olhar para trás é impossível. A cabeça, grudada na cama, gira somente até o lado, enquanto a pressão aumenta, o desespero chega ao pico e o medo enche os olhos de lágrimas. Por segundos, a vítima assume a condição de prepotência e consente que nada há a fazer. Então percebe que as mãos estão soltas, mas não consegue retirar os braços que estão sob o corpo. As pernas, da mesma forma livres, não se mexem.
A janela tipo baculante do pequeno quarto da pensão deixa uma fraca luminosidade entrar. Instalada no meio da porta envernizada, ela indica que não houve invasão do pequeno cubículo. A porta está devidamente fechada, conforme se percebe olhando da cama. O silêncio só é quebrado por carros que seguem pela rodovia federal a poucos metros do dormitório alugado por trabalhadores. Alguns, contratados por grandes indústrias, são do primeiro turno e devem deixar a pensão muito em breve. Outros vararam a madrugada e podem chegar a qualquer instante. Se há um atentado, estes perceberão anormalidades no quarto número quatro, localizado próximo ao portão de entrada.
Projeção equivocada. Não há barulho e o imobilismo é total. Como alguém notaria uma anomalia? É quando Riuzim desconfia de um pesadelo. Dentro do próprio sonho ruim ele luta para colocar em prática um ensinamento da mãe, que aconselhava concentrar os esforços para fazer a voz sair, que o pesadelo acabaria. Então Riuzim gritou a primeira vez e sentiu o pulmão arder. Gritou a segunda e emitiu um leve grunhido, que o fez pensar em mais uma tentativa. Saiu um som oco, breve e estranho. O pesadelo se foi.
Ainda atordoado, Riuzim pensou consigo mesmo: que bom que não é verdade, é só um pesadelo. Noites perturbadas estavam se tornando comuns nos últimos tempos. Às vezes, Riuzim despertava suando, após ter como personagens de seus sonhos o pai e a mãe, ambos falecidos há alguns anos. Nessas ocasiões, ele acendia a luz do quarto e procurava por água gelada, que não tinha. Contentava-se com a torneira do banheiro, de onde fluia um líquido de gosto ruim, um pouco pelo cloro usado no sistema de tratamento e outro tanto devido ao mau estado do encanamento da pensão. Após ingerir alguns goles, usando as mãos em forma de concha, Riuzim lavava o rosto com a intenção de despertar e não mais dormir por aquela madrugada. Por muitas manhãs o quarto número três recebeu o sol com a luz acesa.
Após retornar a cama, havia um momento dedicado à reflexão. Riuzim questionava o que teria feito para ser castigado com um pesadelo. Ou imaginava que os sonhos ruins eram avisos: o que minha mãe quis me dizer aparecendo daquele jeito no meu sonho? Enumera defeitos e erros, de acordo com a concepção que tinha sobre o que é certo ou não. Recapitulava os acontecimentos do dia e rememorava as pequenas discussões com colegas. Mas não encontrava uma causa, embora convicto de que a mãe, e nunca o pai, o recriminava por algum ato. Riuzim teve uma relação pouco amigável com o pai, a quem creditava a culpa pela situação de pobreza da família e, sobretudo, pelo sofrimento da mãe.
Feita a lista dos acontecimentos, Riuzim procurava o isolamento usando como recurso um fone de ouvido, conectado ao tocador de CD pendurado na parede, acima de sua cabeça. Certa vez, o CD de arco, com peso razoável, após ser usado e preso a um prego, caiu sobre as costas de Riuzim, que já dormia. O contato provocou também um pesadelo. Nele, a mãe cutucava as costas de Riuzim com o dedo indicador.
Os sonhos assustadores envolvendo a velha casa de madeira da infância de Riuzim eram constantes. Ora alguém espiava a casa pelas frestas do assoalho, ora tentavam abrir a janela da cozinha fechada apenas com a taramela. Por quantas vezes, no pedesadelo, Riuzim empurrava a porta para que invasores não penetrassem na casa. Em todas as ocasiões, junto com o alívio após o despertar Riuzim repetia: foi um pesadelo, se não conseguisse gritar eu não despertaria. Em seguida, contentava-se: graças a Deus foi um pesadelo.

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