terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Conto - Maracujá doce - 1

Havia um pé de limão rosa no fundo do quintal, à direita de uma pequena área gramada e pouco antes da cerca improvisada com madeiras que restaram da construção da casa. Imperfeitas, as tábuas formavam uma fila de pouca estética. Alguns vãos entre elas davam apenas para as mãos. Outras mantinham espaços suficientes para enfiar o braço e alcançar a horta do quintal vizinho, onde as cebolinhas verdes assanhavam perto do horário das refeições.

Um abacateiro enorme formava sombra bem onde uma viga fincada no chão de terra mole dava o ponto de partida para os seis arames do varal. Às vezes, após as chuvas, uma estaca feita de um galho de árvore servia de escora. Envergada pelo peso, ela suportava a viga inclinada para o lado onde os arames, abarrotados de roupas molhadas, faziam pressão. Calças de brim, camisas de algodão, cobertas, lençóis, meias e peças íntimas masculinas e femininas, de cores sóbrias ou vivas, pareciam bandeirolas gigantes e disformes.

A cana-de-açúcar, de gomos avermelhados e folhas expressivamente verdes, desenhava um redondo pouco abaixo do pé de manga coquinho. A touceira ocupava perto de dois metros quadrados do terreno e perto dali um pedaço de tronco de árvore, serrado ao meio, era usado como batedor de roupa. Com pelo menos dois metros de comprimento e cinquenta centímetros de largura, tinha uma ponta apoiada no chão e a outra, sustentada por duas estacas, a uma altura de cerca de oitenta centímetros do chão. No pé, tijolos e telhas amassados faziam um piso, para evitar que as sandálias de tiras absorvessem o barro.

Mais à esquerda, um galho grosso da mangueira descia uma corda. Na ponta, a tábua extraída de um caixote era o assento. Por um buraco grotescamente furado a corda atravessava a madeira. O nó duplo era uma tentativa para manter a peça, responsável pelo conforto de quem se divertia, pendurada. Mas era o prego fincado até o meio e entortado para formar um grampo que segurava a brincadeira.

O jardim misturava espécies e perfumes. Tomava parte da frente do quintal e em alguns pontos disfarçava a irregularidade da cerca. Plantas mais altas e de folhagem mais densa tinham muitas finalidades. À noite, ou sustentavam personagens durante o esconde-esconde, ou ocultavam pregadores de peças que assustavam as meninas que passavam pelo portão após a missa na capela da rua de cima.

O cachorro preto e branco ficava solto. Por mais que pudesse ganhar a rua e as casas da vizinhança através dos vãos entre as tábuas da cerca, o animal limitava-se à área protegida. Por algumas vezes Bilú correu muito para escapar dos laços dos homens da "carrocinha". Entre os meninos, a lenda era de que cachorro pego virava sabão. Havia muita choradeira entre os pequenos quando um bicho de estimação era levado pela carrocinha.

Nem as galinhas caipiras, ciscando à vontade perto do valo aberto pela corredeira da água do batedor de roupa, incomodavam o cão. Essas aves teriam no final do ano um destino traiçoeiro: a panela ou o forno. Por isso, até a engorda, tinham privilégio no canto do quintal onde eram jogados os restos de comida para alimentar a criação.

No caminho que levava ao poço, onde a água era puxada várias vezes por dia num balde, o maracujá doce pouco se importava com as outras plantas. Vigoroso, subia por um balaústre, invadia o tronco do abacateiro, estendia suas ramas até a viga que suportava os varais e aproveitava um dos arames para atravessar o terreno até os fundos. Seus frutos eram saborosos. Os adultos usavam colheres de sobremesa para prová-los, mas os meninos preferiam as mãos para achar a casca dura, beber o caldo pelas frescas e depois enfiar os dedos para apanhar as sementes cobertas pelas polpas adocicadas.
Foi ali, naquele pequeno terreno onde a casa de madeira velha e sem pintura escondia móveis precários e crianças desdentadas, onde nasceu Riuzin. Cabelos espevitados, olhos esbugalhados, bochechas da cara sujas e avermelhadas, nariz escorrendo, e pés no chão, o menino corria o mundo usando como limite os quatro cantos do quintal de um bairro de Londrina, no Norte do Paraná. A vida de sonhos e fantasias tinha um tempo certo: acordar, tomar café torrado e moído na hora com leite in natura, correr, andar de costas, assobiar, subir em árvores, construir castelos, destruir a base do inimigo, pilotar uma moto feita com cabo de vassoura, enfiar o pé na lama, limpar a sujeira da perna com poeira, correr de novo, andar de costas outra vez, descer da árvore, arrebentar o arame do varal, esconder, aparecer, enxugar o suor do rosto com o lençol posto para secar, levar bronca, xingar, fazer desaforos, retrucar com birras, tomar banho, jantar, zombar com os irmãos, dormir e acordar. Tudo era fácil, apesar de agenda tão lotada.

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