terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Crônica - Vida no Calçadão

A estátua viva coça o nariz. O homem de perna de pau aponta o megafone para a massa e anuncia mais um brinde de uma loja de eletrodomésticos. Um religioso radicaliza e ajunta ao seu redor meia dúzia de adeptos conquistados na hora. O artesão fura o couro com um vasador enferrujado. O sorveiteiro palito os dentes em cima da tampa aberta do carrinho de sorvetes. A moça de cabelos vermelhos atravessa a rua com o fone de ouvido vazando música estridente. Uma criança chama pela mãe. Um namorado procura a namorada no burburinho que se forma no caixa da loja de departamentos. Um carro buzina para o entregador que segue a mulher recém-comprador de uma aparelho de tevê. A moto ronca no semáforo e assusta o idoso que atravessa na faixa. A vendedora tira o descanso de quinze minutos entre uma venda e outra para chupar um sorvete de morango. O sanfoneiro toca músicas antigas. A bande de rock improvisa no inglês e tenta um som da moda captado das ondas das FMs. O engraxate engraxa. O aposentado aposenta o trabalha e se dá ao direito de observar o que corre na frente dos olhos. Os poetas dos panfletos tentam achar apreciadores de poesias entre as pessoas que chegam e vão. A vendedora de balas oferece o seu produto para uma família de pai, mãe e dois filhos. Os bebedores do Calçadão bebem e espumam suor enquanto a vida passa a meio metro da mesa que ocupam. A funcionária do restaurante popular usa o guardanapo úmido para refrescar o rosto esquentado pelo calor da grelha de lanche prensado. O vendedor da sapataria traz caixas de sapatos e sabe que se agradar o freguês ganha mais uma comissão e engrossa a renda do mês. O desocupado desocupa finalmente um banco da praça e livra uma vaga para a senhorar que quer descansar os braços livrando as mãos do peso dos pacotes de compra. O trombadinha observa. O agente de trânsito faz de conta que não vê. O policial militar conversa lá longe. O segurança da loja tem certeza que fora do estabelecimento que o contrata não tem obrigação de atender nada e ninguém. O ambulante adverte a mulher sobre o perigo de assalto. A moça de saltos altos desequilibra-se na imperfeição do petit pavet do Calçadão. O senhor atrás dela xinga o prefeito. A senhor mais atrás concorda. O pipoqueiro olha e não diz nada. O vendedor vende. O engraxate engraxa. A criança corre atrás do pai. O carro ronca. A moto arranca. A vida anda.

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