quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Conto - Ceia

- Não mandei água para os desabrigados de Santa Catarina. Nem para os do Rio enviei alguma coisa.
- Valia ajudar. Na minha empresa arrecadei contribuiões dos colegas e depositei na conta.
- Na conta da campanha ou na sua conta?
- Não brinca com isso. Não se faz piada com a tragédia alheia...
- Ué, não é isso que anda acontecendo?
- Mas também não vamos exagerar, né? Foi meia dúzia de pessoas fazendo sacanagem com as doações.
- Você é que pensa. Numa situação daquela um botão enfiado no bolso é mais do que crime.
- Certo. Concordo. E quanto roubaram daquela gente toda para transformar aquele lugar num lamaçal? Isso também deve ser levado em conta.
- Mas que culpa tiveram e quem são os culpados?
- Isso, dê nome aos bois.
- Sacanagem maior é o próprio homem destruir tudo aquilo...
- Que homem? Aquilo foi chuva demais.
- Chuva demais foi a gota d'água. Se aconteceu alagamento alguma causa teve.
- Pois é. Vi uma mansão construída na encosta do morro.
- Também vi casinhas despencando lá das alturas...
- Tem dois tipos de invasão da natureza lá, gente.
- E vem agora você falar de ecologia?
- Espera, deixa eu falar.
- Deixa o homem do meio ambiente falar, caçamba.
- Tem realmente casinhas de pobres nas encostas. Como aqui em Londrina tem fundo de vale invadido, lá tem encostas depredadas. Mas tem muito ricaço com mansões...
- Eitá. Discurso social numa noite desta não, né?
- Nada a ver com discurso. O colega tem razão. Tem ricaço em área onde não se poderia construir.
- Quer dizer, todo mundo é culpado?
- E por que não? Até nós que vamos no verão às vezes ajudamos a depredar.
- Eu pago caro por aquilo e uso do jeito que eu quiser...
- Você sabia que tem praia lá sendo engulida pelo mar?
- Heim???
- Sabiam não, gente?
- Pois é...
- Passa lá um vinho, mulher. Comprade, cmo é que vai o churrasco aí?
- Pera lá. O leitão está quase no ponto. Vai colocando mais gelo pra esfriar bem a cerveja e o refrigerante.
- Me dá uma mão aqui, gente. Senão essa mesa vai despencar daqui a pouco.
- Coloca um tijolo naquele pé e escora. Só avisa as crianças para evitar correria.
- Manda o moleque abaixar esse som. Está doendo os ouvidos...
- Deixa ele. É ceia de Natal.
- Mas do que é que a gente estava falando mesmo?
- Eu comentava da crise lá nos Estados Unidos.
- Tenho um sobrinho lá também. Mas ele continua empregado e não tem do que reclamar.
- Será? Minha irmã está doida para voltar...
- Traz lá os pratos e os talheres. Alguém ajuda a mulhereda no preparo da mesa...
- Com tantas mulheres e a gente tem ainda que ajudar?
- Pois é. E o Ronaldinho...
- Aquilo é mais uma piada.
- Será que joga alguma coisa?
- Isso me lembra o Guga, por sinal um catarinense...
- E a calamidade daquela enchente lá, né gente?
- Pois é. Um bocado de mortes e desabrigados...
- Eu mandei doação pra lá. Roupas e ajudei para comprar água.
- Está chegando a maionese gente. Vai picotando a carne para chegar no ponto.
- Capricha no tempero. Não deixa queimar...
- Segura a árvore de Natal senão ela cai em cima da criança.
- Que coisa. O Lula com setenta e três por cento de preferência.
- O que será que o fulano deu de presente para a mulher dele? Ela está precisando de uma boa plástica...
- Boca maldita...
- Ele gosta dela.
- E a gorduchona do Beltrano? Se ele viesse me pedir sugestão eu recomendaria 24 horas por dia de academia.
- É, mas eu conheci aquela mulher quando solteira. Era magra e bonita.
- Então conheceu ela por dentro?
- Fala sério, vpcê gosta de uma gorduchinha.
- Gosto sim. Mas prefiro uma mais roliça igual a sua mulher...
- Qual é? Vamos brigar de nova numa Ceia de Natal?
- Parem com essa provocação e ajudem aqui no carvão.
- Está na hora da contagem regressiva.
- Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um e zero...
- Feliz Natal!!!
- Abra aqui a espumante. Cadê a caixa de rojão?
- Cuidado com os carros lá na rua. aqui tem que sempre ficar de olho.
- Mulher, dê uma espiada na menina. Ela com esse namoradinho novo não sei não...
- Juventude é assim mesmo. Deixa namorar.
- Não estou querendo ser avô tão cedo...
- Noite feliz!!!
- Está cantando ou lamentando?
- Deixa a moça cantar do jeito dela, pô.
- Você já está bêbado velho?
- Eu nem comecei ainda na cerveja...
- Pára de cantar essa música deprimente, faz favor...
- Coloca um pagode...
- Zeca Pagodinho não.
- Isso, manda um rock e todo mundo entra o clima...
- Vocês viram a chuva lá no Rio? Um monte de desabrigados...
- Vai mais cerveja aí, irmão?

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