sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Crônica - Setenta e três por cento

Ontem eu vi a família de dona Eurídice numa famosa loja de departamentos do Calçadão de Londrina. Ela, as duas filhas casadas, o moço ainda solteiro e dois netos formavam uma aglomeração num dos caixas do estabelecimento. Pagavam as compras e exigiam embrulho reforçado, pois a viagem de retorno à chácara onde moram, num distrito rural da Zona Sul, leva pelo menos uma hora. Sem contar que, no caminho, as crianças vão pedir sorvete de casquinha. O pastel do japonês, no começo do Calçadão, também não pode faltar.
Tive curiosidade de ver quanto a família gastou naquela loja de departamentos, mas isso seria indelicado. Pela quantidade de produtos, imaginei um valor considerável. Brinquedos, lençóis, pratos, toalhas, doces, produtos de higiene, CDs, canetas e muitas outras embalagens passaram pela registradora.
Dona Eurídice ainda mantém a tradição do interior de fazer compras, principalmente as de Natal, em um lance só. A vinda para Londrina é tida como um passeio, por isso todos acompanham a matriarca. As crianças, em situações de arte, recebem ameaças: "Quem não se comportar não vai para Londrina fazer compras..."
Esse costuma vem da família há anos, quando ela, ainda menina de pés no chão, esperava ansiosa pelo dia das compras enquanto os pais trabalhavam nas lavouras de café. A renda da pequena propriedade rural era anual. Mas além do café, cuja comercialização era fechada em momento oportuno, havia o frango, os porcos, o milho e as hortaliças, que tocadas no sistema de agricultura familiar rendiam trocados suficientes para a comida e os mantimentos.
A situação agora é outra. Dona Eurídice conseguiu aposentadoria. As duas filhas casadas moram no mesmo quintal e os maridos trabalham um na indústria e outro na construção civil. Não há mais renda da terra, o sustento depende de salários. O filho ainda solteiro de dona Eurídice estuda à noite e já trabalha no comércio local.
O recebimento do 13º engordou a renda e permitiu à família manter o hábito das compras de dezembro. Calçados e roupas foram comprados também, alguns itens bancados pelas financeiras que trabalhavam com as lojas. Para pagar as prestações a família terá que fazer ginástica durante os próximos 12 meses.
Dona Eurídice não tem nenhum parente beneficiado com bolsas do governo federal, como o família. Em hora de passeio, longe de mim perguntar se ela, as filhas e os genros votaram em Luiz Inácio Lula da Silva. Despropósito também indagar se as compras são possíveis hoje por causa do plano econômico do governo. Aliás, nem ela e nem qualquer outra pessoa da família participaram da pesquisa que deu a Lula 73% de aprovação.

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