terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Crônica - Festival de absurdos

Chegam de Santa Catarina extraordinárias situações extraídas, infelizmente, de uma calamidade. Primeiro: quando as notícias sobre enchentes, enxurradas, desalojados e mortes ganharam o Brasil e o mundo, uma rede de TV a cabo entrevistou durante programa jornalístico um coordenador da Defesa Civil no Estado. Entre as perguntas, a mais incisiva foi sobre as causas da tragédia. O jornalista perguntou em português claro e com objetividade se a presença do homem havia causado influência. O coordenador respondeu que não. Na opinião do cidadão, a causa era o excesso de chuva. Ele até exemplificou que de tanta água a terra derretia que nem manteiga.
Segundo: autoridades estaduais e federais voaram com expressão de tristeza sobre as regiões atingidas. Depois anunciaram liberação de verbas para consertar os estragos. Seria ainda muito cedo, diante de tantas mortes, de achar os culpados e puní-los? Ou realmente o coordenador de Defesa Civil tem razão?
Terceiro: embora o desfecho da tragédia ainda esteja longe de acontecer, a mais espantosa notícia é sobre o desvio de donativos. É bom refrescar a memória: desabrigados e excluídos foram contidos quando tentaram apanhar objetos e alimentos de casas abandonadas e lojas. Foram chamados de saqueadores.
Sobre o primeiro absurdo, a Universidade Federal de Santa Catarina, quando procurada por uma revista séria, informou que a instituição dispõe de dezenas de estudos sobre a desvatação da Mata Atlântica em solo catarinense e sobre a invasão de áreas de risco. Nunca, porém, estas pesquisas interessaram as autoridades estaduais.
A presença do homem, por outro lado, é marcante na catástrofe, não tendo ninguém o direito de isentá-lo de culpa. Não somente o homem pobre, que sobe os morros com seus tijolos para construir uma moradia. No Norte catarinense, mansões são levantadas em clareiras que surgem da noite para o dia. Pertencentes aos mais abastados, estas edificações são regularizadas. Entre os municípios de Guaramirim e Jaraguá do Sul, perto de Joinville, o visitante toma conhecimento de uma aberração: uma dessas casas, com dois ou três pavimentos, tem um elevador que foi instalado para atender a um capricho do proprietário. Algo do tipo, "não moro em prédio mas subo e desço de elevador". É o cúmulo da jacusisse. Claro, sem querer ofender a espécie animal.
Quanto ao segundo absurdo, o único registro que se tem é que algumas das autoridades até chuparam cana no exercício de chorar pelas perdas. Aliás, perdas de que? Vidas? Produção agrícola? Casas? Prédios públicos? Riquezas? Infelizmente, perda de senso de responsabilidade. Aquele solo é um areião. Vira manteiga fácil. A ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sofreu muita pressão dos políticos catarinenses quando mexeu com a possibilidade de aumentar a área de preservação de mata ciliar nas margens de córregos, riachos, rios e etecetera.
O terceiro absurdo parece consequência de tudo o mais. Começa que o brasileiro age por impulso. Ele se mobiliza diante de pressão, inclusive gerada por tragédias. Às vezes esquece do vizinho do lado que passa fome. Mas arregaça as mangas até para ajudar, diante de campanhas nacionais, os flagelados de um país distante. Há também exageros: muitas vezes a mesma pessoa que leva para a igreja um saco com roupas usadas chama o miserável da rua em frente de vagabundo.
É um círculo vicioso que começa na doação e termina no beneficiado. A Lei do Gerson não saiu da moda. Se há verbas rechonchudas do governo para organizações não-governamentais fajutas, por que eu não posso levar o meu também? As famílias dos mortos e dos desabrigados é que se danem...

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