terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Certos caminhos

Eu venho de conversa demorada com dona Toninha, avó de Alfredo, colega meu faz bons anos, e mãe de Orides e Margarida, vizinhos por par de tempo lá na dobra da rua abaixo da feira livre de terça. Boa gente, todos eles e até parentes que fim de semana aparecem para trocar conversas e provar doce de mamão feito em fogão de lenha improvisado no quintal, rente à cerca que divide a propriedade com a chácara dos Ferreira. Feito por Toninha, até marmanjo se lambuza todo lá onde a colherada caça do fundo do pote o coco ralado, bêbado de tanto mel puro catado lá no matagal que divide o sítio dos japoneses com a terra dos Figueiredos.

Toninha fala. Nessa conversa eu mais ouço que falo. E quando tento diálogo ela corta. Se houvesse anotado tudo daria um caderno bem grosso. Lápis, então, estaria no toco. Essa mulher prendada na cozinha e doutora na costura e nos bordados foi, sei lá, por certas vezes trabalhar nas ruas para políticos na campanha eleitoral. Não sei se eu entendi, mas me disse ela,  com endosso do marido, o Antenor, que os homens pediam os serviços dela porque Toninha era muito conhecida e respeitada na localidade.

O que eu sei é que nem sempre o serviço de Toninha era pago. Mais do que por bondade, ela o fazia por acreditar demais nos outros. "Ela se dá", dizia a cunhada Maria. "Se dá tanto que as pessoas se aproveitam dela", encompridava.

Elogios rasgados, da boca para fora, abundavam. "Sabe essa tal cama de vereadores, dona Toninha?" Se rindo por dentro, mas cuidadosa para não deixar perceber, ela perguntava: "Câmara (?!?!), o que é que tem?".

"Pois é, a senhora dava uma vereadora daquelas..." E ficava nisso. Nem comentário a mulher fazia.

Para mim ela confidenciou uma vez que o pessoal da prefeitura já havia proposto a ela uma candidatura nas próximas eleições. O prefeito ia concorrer à reeleição e precisava de alguém forte para defendê-lo na Câmara. "Preciso de uma liderança forte, gente. Uma pessoa que seja respeitada pela comunidade. Nem precisa entender de política. Alguém, veja lá, como a dona Toninha", anunciou o prefeitos aos seus capachos.

"É, uma pessoa que não fique questionando o que o prefeito faz ou fala", acrescentou, com pinta de intelectual, o assessor de imprensa da Prefeitura. "Então é a dona Toninha. É líder para pedir coisas básicas como um roçada, umas pedrinhas na rua. Mas é bobona nas coisas mais complicadas da política", exemplificou o chefe de gabinete.

A proposta chegou a ser feita. Como na política os pretendentes à ascenção são parceiros hoje e inimigos amanhã. E mesmo enquanto parceiros traem, pois as regras tornam as traições uma necessidade. E o teor da conversa na reunião do prefeito vazou. "Não é por nada dona Toninha, eu gosto muito da senhora e tenho que ser honesto. Disseram que precisavam da senhora junto com o prefeito porque a senhora é bobona. Não foi assim que falaram, mas foi bem isso".

E ela, sem nada dizer, se recolheu para um choro de tristeza profunda. Não foi um choro qualquer. Foi um choro de pranto seco, soluços que doíam na garganta, decepção queimando a alma. E ela decidiu, sem trocar idéia com alguém, nem mesmo os de mais confiança, que ia crescer como uma pessoa que, por vocação, faz o que pode para ajudar a si própria e aos outros para resolver problemas comuns que parecem pequenos. Tão pequenos que não fosse ela persistiriam, sem solução.

E até a referência a ela como líder comunitária passou a se rechaçada. "Que líder comunitária nada, gente. Isso me dá até calafrios. Eu sou eu, só isso".

E foi mesmo, sou testemunha. Uma grande pessoa dentro de um corpo magro com um metro e meio de altura. Seguindo com vontade o caminho que a sua sabedoria recomendou.

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