sábado, 22 de agosto de 2015

REPORTAGEM – Tsuguio Kakuno tem mais de seis décadas de Vila Nova

Pioneiro chegou a Londrina em 1952, quando estava com
17 anos de idade. Aprendeu o ofício de alfaiate com
o irmão e recebeu prêmio por ser considerado o mais
antigo profissional ainda em atividade





Nas fotos: Tsuguio Kakuno, que completa 80 anos
de idade no dia 2 de setembro de 2015; o Troféu Marilisa do Amaral Campos, concedido pelo Lions Rotary Club de
Londrina – Alvorada; a máquina de costura PFAFF,
comprada de segunda mão de um colega; tecidos e manequins, como nos velhos tempos

            De terno e gravata o pioneiro londrinense Tsuguio Kakuno ia à praça do centro de Londrina nos fins de semana para se encontrar com amigos e fazer novas amizades. E o mais importante: o programa das noites de sábado e domingo tinha como alvo o amor de alguma moça. Se a flecha do cupido acertasse em cheio o coração da pretendida a saída para os passeios seria em companhia promissora.
            Tsuguio, que neste 2 de setembro de 2015 completa 80 anos de idade (ele nasceu no ano de 1935), havia chegado de Araçatuba, Estado de São Paulo, em 1952. Foi lá que ele nasceu. Em Londrina, o porto seguro foi a companhia do irmão Yukio, que havia vindo antes, e mantinha uma alfaiataria na esquina da Rua Guaporé com a Rua Belém, na Grande Vila Nova.
            “O calçamento com paralelepípedo só chegava até a Rua Amapá, um quarteirão abaixo da Belém. Naquela época a Guaporé era também chamada de Pernambuco”, lembra Tsuguio. Ainda com poucas vias calçadas, o barro na temporada das chuvas e a poeira na estiagem eram desconfortáveis para um recém chegado. “Eu estava acostumado com São Paulo. Um dia, com sede, fui ao bar em frente da alfaiataria do meu irmão e pedi um refrigerante. E veio tudo sujo”.
            Mas os passeios no centro de Londrina, apesar da poeira, eram com terno e gravata. O Cine Ouro Verde, por exemplo, seguindo etiqueta de algumas tradicionais salas de exibição de São Paulo, nos seus primeiros anos de funcionamento só permitia a entrada de cavalheiros de terno e gravata, segundo Tsuguio.
            Não por coincidência, mas aproveitando o conhecimento do irmão, Tsuguio veio de São Paulo a Londrina com o propósito de aprender o ofício de alfaiate. “Antigamente o rapaz encomendava um terno para o noivado e seis meses depois, no casamento, encomendava mais dois: um para o casamento no civil e outro terno para o casamento no religioso”, relata Tsuguio.
            Londrina tinha na época em que o pioneiro chegou cerca de 75 mil habitantes, pouco mais da metade morando na zona rural. Pelas contas de Tsuguio, existiam 52 alfaiates na cidade. Só a Rua Duque de Caxias tinha 11 deles estabelecidos. Tsuguio, que após assumir a alfaiataria de Yukio quando o irmão decidiu ir para Curitiba, chegou a ter quatro funcionários no estabelecimento da Rua Guaporé esquina com a Rua Belém.
            Nesse local Tsuguio exerceu o ofício por 40 anos. Mas há 23 anos ele está instalado com a alfaiataria na Rua Araguaia. Até a vinda para Londrina, quando estava com 17 anos, Tsuguio trabalhou na roça. “Comecei a trabalhar muito cedo. Quando eu nasci meu pai tinha um sitiozinho. Mas teve que vender e passou a ser arrendatário. Ele trabalhava com algodão e a gente ajudava. Comecei cedo na lavoura também porque minha mãe morreu quando eu tinha sete anos de idade”.
            No dia 11 de novembro de 2011 Tuguo foi homenageado pelo Rotary Club de Londrina – Alvorada com o Troféu Marilisa do Amaral Campos. Na época ele foi considerado pela entidade como o mais antigo alfaiate ainda em atividade em Londrina.
            Como todo bom alfaiate Tsuguio tem duas máquinas de costura PFAFF em sua alfaiataria. A que ele usa foi comprada de segunda mão de um colega alfaiate. “Todo alfaiate tem uma PFAFF”, orgulha-se. Ele diz que a máquina que está usando vai costurar por um bom tempo mesmo depois que ele aposentar. A PFAFF veio importada da Alemanha.
            Tsuguio também tem dois ferros de passar daqueles usados por alfaiates. Um deles, que está guardado, pesa sete quilos. O que está em uso é um pouco mais leve: perto de cinco quilos.

A origem e as novas gerações



Nas fotos, a passadeira típica dos tradicionais
alfaiates e o ferro de passar com quase cinco quilos de peso

            Tsuguio Kakuno é filho do senhor Kota e da senhora Issae Kakuno. Nascidos no Japão, ambos chegaram ao Brasil, casados, poucos anos antes da guerra. Tiveram os filhos Yukio, Tuguo, Mitsue e Midori. Kota serviu na Marinha japonesa e só escapou de ser convocado para a guerra por estar no Brasil. Ele contava aos filhos que irmãos, cunhados e outros parentes que estavam no Japão e foram para a guerra morreram em combate.
            Tsuguio casou com Izumi quando estava com 20 anos de idade, já morando e trabalhando como alfaiate em Londrina. Ela faleceu há oito anos. O casal teve os filhos Izaura (formada em letras), Massao (engenheiro civil) e Paulino (cirurgião dentista). São três netas e um casal de bisnetos.
           
Certas lembranças


            “Não tinha um prédio pronto com elevador em Londrina quando eu cheguei em 1952”, lembra Tsuguio Kakuno. “Tinha quatro prédios começados: o Autolon, o Manela, o São Jorge Hotel e o Santo Antonio”, acrescenta.

            “O Cine Ouro Verde tinha acabado de inaugurar. Nos primeiros anos só entrava com terno e gravata, igual fazia no Cine Marrocos, em São Paulo”, reforça o pioneiro. “Aqui só tinha a Rádio Londrina”, relata. “Mais da metade da população de Londrina na época morava no sítio. Londrina tinha 75 mil habitantes”, reforça.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

REPORTAGEM – A Rua Juruá tem tudo a ver com o mecânico Nico

Filho do Seu Chiquinho Carroceiro chegou a Londrina
quando estava com dois anos de idade e foi morar na casa
de sape coberto com folha de palmeira lá na Vila Nova


Em pose para foto atrás do Nico, filho mais velho do
Seu Chiquinho, Nilce, que, estudou e lecionou no
Grupo Escolar Nilo Peçanha, na Rua Araguaia;
Guilherme, que também passou pelo Nilão,
assim como o Valdir, que abraça
a filha Gabriela
Francisco Breve, o Seu Chiquinho, 
com a esposa Ana (foto Álbum da Família)
Seu Chiquinho, a caráter: chapeuzinho
de feltro (foto Álbum da Família)
Iracema e o esposo Nico, com dois dos
filhos - Nico é o maiorzinho
(foto Álbum da Família)

            Antonio Aparecido Breve é todo prosa quando o tema da conversa é o lugar onde ele vive há 75 anos: a Vila Nova, em Londrina. Ele é mais conhecido como Nico. Nasceu em Porto Ferreira, Estado de São Paulo, no dia 31 de maio de 1938. Quando estava com dois anos, a família trocou o interior paulista pelo Norte do Paraná.
            Nico, casado com Iracema Almeida Breve, que faleceu há nove anos, é o filho mais velho de Seu Francisco Breve. E então? Quem é este cara? Melhor lembrar do Chiquinho Carroceiro, da Rua Juruá. Sim, o Seu Chiquinho que tinha também um pé de bode, daqueles de usar manivela para o motor pegar.
              Pois quem mora ou já morou na Vila Nova lembrou daquele senhor de chapeuzinho de feltro, sempre sorridente, tocando em frente sobre a carrocinha puxada por um valente burrico.
            Chiquinho, segundo o filho Nico e a neta Nilce, nasceu no dia 12 de julho de 1914 e faleceu em 14 de setembro de 1988. Foi casado com Ana Faian Breve, que faleceu em 2003 quando estava com 85 anos de idade.
            Depois de Nico nasceram Lúcio, Santo e a menina Olga, que faleceu ainda novinha logo após a chegada da família a Londrina. Chiquinho e Ana contabilizam dez netos, dois deles já falecidos. Há bisnetos e três trinetos.
            A pedagoga Nilce de Almeida Breve, filha de Nico, é uma das netas de Chiquinho e Ana. Ela é casada com Valdir Malaquias. Nilce é mãe de Guilherme e Gabriela.
            E como todo bom morador da Vila Nova no tempo em que o bairro ainda tinha mais capoeira do que quintais enfeitados com jardins ou enriquecidos com hortas, Nico foi aluno do Grupo Escolar da Vila Nova, depois batizado de Grupo Escolar Nilo Peçanha, na Rua Araguaia.
            Aliás, no bate papo na casa da filha Nilce, onde na sala se encontram também Valdir Malaquias e Guilherme, todos vão avisando rapidinho que também estudaram no Nilo Peçanha. Nilce também foi professora no estabelecimento de ensino que agora integra a rede estadual.
            “Fomos praticamente os fundadores da Vila Nova”, diz Nico. A casa que Seu Chiquinho comprou na Rua Juruá era de sape, coberto com folha de palmeira. “Eu andava a pé, com estilingue. A Rua Guaporé era todo barro”, recorda Nico. “Nós vimos a chegada do primeiro ônibus. Quando chovia, descia todo mundo para empurrar”.
            Seu Chiquinho comprou de Paulo Agari três terrenos na Rua Juruá. “O Paulo Agari era dono de tudo”. Por isso aqui é a Vila Agari”, informa Nico. Segundo ele, outro proprietário de terras na região da Vila Nova foi Luiz Marques de Mendonça, que doou áreas para a construção do Nilo Peçanha e do posto de saúde (Ubs) do bairro, além de outras doações importantes.

Mecânico por toda a vida

Os quintais reuniam a família e também
eram usados para a engorda das criações
(foto Álbum da Família)
Mecânico por mais de seis décadas,
Antonio Aparecido Breve fala com amor
do bairro onde esteve a vida toda

            Nico foi mecânico desde os 11 anos de idade e diz que parou devido a um problema na vista há um mês, quando deixou a casa da Vila Nova e foi morar com a filha, na Zona Norte de Londrina.
            “Quem abriu o campo de futebol foi o meu tio, Nego”, diz Nico, sobre o Campo do União, que existiu no quadrilátero formado pelas ruas Juruá, Solimões, Javari e Turiaçu.

            Informa também que o pai, Chiquinho, antes da abertura do campo plantava arroz e feijão no terreno. “Era tudo capoeira”, afirma sobre a região. “Era uma casinha aqui e outra lá”, acrescenta. “A Rua Araguaia era capoeira dos dois lados”. E vai longe a prosa com Nico, filho do Seu Chiquinho. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

REPORTAGEM – Uma praça no outro lado do muro

O casal Luiz e Bete, pais de Margarete, Ademar e Jorge
e avós de Henrique, Fábio, Luana e outros que virão
para marcar a história com capítulos importantes





Nas fotos, Bete e Luiz, diante da estante com troféus
conquistados por ele no beisebol; a praça, formosa com a sua vegetação; os arbustos, no centro, com enormes troncos; o Santuário de Nossa Senhora Aparecida

Bem pertinho do Santuário

            Diante da bela praça pública o homem estufa os peitos, prende a respiração e mostra ao interlocutor a vida verde e marrom da vegetação que, sem radicalismo e soberba, predomina suave sobre o cimento ao redor. Verde das folhas e marrom dos galhos e dos troncos. Concreto armado para cobrir e solo, esconder a terra, dar passagem as pessoas por trilhas sem poeira ou barro.
            O homem se chama Tsuguio Sato. Descendente de japoneses, ele não tem no registro de nascimento um nome em português. Mas mereceu um de batismo, Luiz. “Quando cheguei aqui as árvores, aquelas que estão no lado da praça, tinham os troncos da grossura de um dedo”, conta Luiz. No meio do cenário, real, há arbustos de troncos da grossura que um homem só não consegue abraçar.
            A chegada foi em 1968, dois anos depois de Luiz ter trocado o município de Sertaneja, na região de Cornélio Procópio, por Londrina. Em1966 Luiz veio morar na Rua Paranapanema, na Grande Vila Nova, em Londrina. Grande, porque a Vila Nova reúne incontáveis comunidades denominadas de vilas ou jardins.
            Luiz estava casado desde 8 de dezembro de 1962 com Yoshico, que também não tem nome português no registro de nascimento mas ganhou um de batismo, Bete. Ele nasceu no Distrito de Motuca, lá no Município de Araraquara, em São Paulo. Foi no dia 10 de maio de 1936. Ela é paranaense. O casal tem três filhos, Margarete, Ademar e Jorge. São três netos, Henrique, Fábio e Luana. O filho mais novo, Jorge, nasceu na casa em frente à praça da Rua Grajaú, na Vila Nova, quase vizinha ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida.
            Os Sato chegaram de São Paulo à região de Cornélio Procópio lá pelos anos de 1940. A família havia comprado mata virgem em Sertaneja, onde foi feita a derrubada e o plantio do café. A geada de 1955 foi desanimadora, mas os cafeicultores da região insistiram com a cultura. Cerca de cinco anos depois outra geada, tão forte como a de 55, causou mais prejuízos. Mas foi mesmo a de 1975 que tirou muita gente das lavouras, segundo lembra Luiz. Em 1955, quando ocorreu a primeira geada nos cafeeiros da família, Luiz estava no Exército, servindo no Boqueirão, em Curitiba.
            Quando veio casado com Bete para Londrina, o casal morou de aluguel na casa da Rua Paranapanema. A mudança para a moradia da Rua Grajaú, dois anos depois, foi também com contrato de aluguel. Mas tempos depois o proprietário ofereceu a casa para venda e Luiz fechou o negócio. Era uma moradia de madeira, que com o passar dos  anos recebeu melhorias em alvenaria. Chegou, enfim, um ponto em que Luiz e Bete decidiram derrubar tudo que havia para erguer a casa que eles tanto queriam no lugar.
           
Juntos desde o grupo escolar

            Bete e Luiz completam este ano, no dia 8 de dezembro, 53 anos de casados. Ambos contam que há três anos, nas Bodas de Ouro, decidiram eliminar os festejos comemorativos e viajaram para conhecer o Nordeste brasileiro. “O dinheiro que ia ser usado na festa nós doamos para a Igreja e para outros necessitados”, dizem Bete e Luiz.
            O amor de ambos foi resultado de uma convivência. Bete e Luiz estudaram na mesma escola municipal de Sertaneja. Depois, na adolescência e na juventude, ambos continuaram amigos ainda em Sertaneja participando da Associação dos Moços e da Associação das Moças do clube japonês da cidade.
            Luiz e Bete fazem questão de informar que naquele dezembro de 1962 ambos selaram a união conjugal com uma prática que era rara entre os membros da comunidade japonesa. Além do casamento no civil, que é praxe, Luiz e Bete também casaram no religioso, na Igreja Católica de Sertaneja.

Quase seis décadas de beisebol


            Luiz nem sabia como jogar beisebol quando chegou ao Norte do Paraná em fins dos anos de 1940. Mas, tempos depois, em 1953, graças ao convívio com os membros do clube japonês de Sertaneja, começou a treinar um esporte que só largou quase 60 anos passados, lá por volta de 2010.
            Nesse período colecionou medalhas e troféus, inclusive em competições internacionais. Também foi árbitro de beisebol, atividade que lhe rendeu um troféu que só ele e outro londrinense, Hiroshi Nagano, receberam da Associação de Árbitros.
            Uma das participações de Luiz como atleta em eventos mundiais foi no México, no ano de 1994. Na estante da sala da casa da Rua Grajaú, parte dos prêmios de Luiz podem ser vistos. Mas a esposa Bete diz que há muito mais pela casa, inclusive encaixotados.

Difícil falar da praça de ontem e de hoje

            Comparar a praça do passado com a de agora, nas palavras de Luiz, é difícil. “Mudou bastante”. Na beira da Rua Grajaú uma fileira de árvores foram arrancadas, para a construção de uma área de estacionamento de carros. “Quando mudei para cá a praça era florida”, diz.
            Havia também zelador e zeladora, além de guarda 24 horas. O tanque de peixe tinha carpas ornamentais. Nos tempos das quermesses, quando Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e Wanderleia disputavam a preferência dos ouvintes das rádios AMs e já se ouvia Elvis e Beatles, mesmo com certa timidez, os moços ficavam postados em pontos estratégicos da praça, de braços cruzados, cinturão largo, calça Saint tropez e boca de sino, as moças passavam pelos corredores formados pelos rapazes.
            Daquele movimento, conhecido como footing, alguns namoros resultaram em casamentos. As igrejas da Vila Nova e do Jardim Shangri-la se revezavam nas quermesses, normalmente nos meses frios do meio do ano. Quando terminava a “grandiosa quermesse da Vila Nova” começava na semana seguinte a “grandioso quermesse da Paróquia Rainha dos Apóstolos”.
            Havia muito frango assado e batata frita, servidos num clima de namorico com os bilhete trocados no sistema que a rapaziada chamada de correio elegante. A festa na praça acontece, agora, uma vez por ano, em 12 de outubro, data da padroeira. Nossa Senhora Aparecida é homenageada em um mosaico de concreto levantado ao lado de onde existia o tanque de peixes ornamentais e a cascata também desativada. Nele é possível observar os dois pescadores ajoelhados, a imagem de Nossa Senhora e alguns peixes.
            Luiz acha que o policiamento mais constante amenizaria a onda de vandalismo e de presenças estranhas em alguns horários na praça. Uma vez por semana os idosos se reúnem de manhã para ginástica no local. A academia ao ar livre, instalada há pouco mais de um ano, tem frequência da vizinhança em alguns horários. Quantas vezes Luiz se muniu de líquido e pano para apagar as pixações no local?

            Em determinados horários, moradores de rua usam a plataforma em frente ao mosaico de Nossa Senhora Aparecida para dormir. 





Nas fotos acima, as pedras sobre o local onde havia um tanque
com peixes ornamentais; as escadas formavam uma
cascata; no mosaico, os pescadores que encontraram a imagem
de Nossa Senhora Aparecida e alguns peixes; em alguns horários do dia, a praça é ocupada por moradores de rua