O espírito do Natal bateu na minha porta na tarde de
domingo. Ele depositou um embrulho com
panetones e caixas de bombom sobre o tapete, apertou a campainha e sumiu pelo
elevador acima ou abaixo. Tenho certeza que o visitante furtivo não era o Papai
Noel. Faz tempo o velhinho de roupa vermelha e barba branca, postiça, me evita.
Entrei numa com ele anos atrás. Estava Noel na
frente de uma loja de calçados às cinco da tarde de um sol de dezembro no Norte
do Paraná. Muito diferente do Pólo Norte. Sarrei dos fiapos brancos na túnica e
no gorro. Perguntei se a neve vinha do refrigerador exposto na porta da loja de
eletrodomésticos.
E o velhinho suava. Mais por causa das botas apertadas.
Ele usava quarenta e a loja que o contratou emprestou uma trinta e oito.
Imagine o dedão encostando no bico e esfolando a unha encravada. No calcanhar o
calo virava pelota de tanta pressão. Nem balas o Noel da loja de calçados tinha
para distribuir. A gargalhada saia desafinada.
A transpiração formava enormes molhados nos sovacos.
Eu ri da situação e não foi com a gargalhada
ensaiada dos bons velhinhos. Foi escárnio. Mas ri de pena do coitado. Sabem
aquela sensação de bobeira que dá na gente e faz chorar quando é para rir e
provoca riso quando é para chorar? Aconteceu. Desde então Papai Noel rompeu
comigo, justo num dezembro de desemprego e medo do futuro. Nem um pirulito de açúcar
e cabo improvisado com palito de dente ganhei naquele Natal.
Então que boa alma passou pela minha porta para
deixar panetones e bombons? Só tinha que ser ele: Seu Otacílio, um vizinho
aposentado do INSS. Chamo-o de vizinho pelo fato do adjetivo ser uma
referência. Seu Otacílio é o amigo fraterno e solidário do condomínio. Sobe e
desce no elevador com outras pessoas e torna-se em qualquer circunstância a
presença de respeito no ambiente.
Fala pouco, mas age com o coração. Nunca se mostra
prepotente. É um cara simples que a gente, de tanto estimar, nunca se esconde
nos vãos do hall de entrada para evitar. Descubro assim que não perdi meus pais
biológicos e nem o velhinho que chega do Extremo Norte para vencer o calor de
Londrina e trazer alegrias. Eu os tenho. O meu bom velhinho é um grande amigo.
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