quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Crônica - Meu grande amigo


O espírito do Natal bateu na minha porta na tarde de domingo.  Ele depositou um embrulho com panetones e caixas de bombom sobre o tapete, apertou a campainha e sumiu pelo elevador acima ou abaixo. Tenho certeza que o visitante furtivo não era o Papai Noel. Faz tempo o velhinho de roupa vermelha e barba branca, postiça, me evita.

Entrei numa com ele anos atrás. Estava Noel na frente de uma loja de calçados às cinco da tarde de um sol de dezembro no Norte do Paraná. Muito diferente do Pólo Norte. Sarrei dos fiapos brancos na túnica e no gorro. Perguntei se a neve vinha do refrigerador exposto na porta da loja de eletrodomésticos.

E o velhinho suava. Mais por causa das botas apertadas. Ele usava quarenta e a loja que o contratou emprestou uma trinta e oito. Imagine o dedão encostando no bico e esfolando a unha encravada. No calcanhar o calo virava pelota de tanta pressão. Nem balas o Noel da loja de calçados tinha para distribuir. A gargalhada saia desafinada.  A transpiração formava enormes molhados nos sovacos.

Eu ri da situação e não foi com a gargalhada ensaiada dos bons velhinhos. Foi escárnio. Mas ri de pena do coitado. Sabem aquela sensação de bobeira que dá na gente e faz chorar quando é para rir e provoca riso quando é para chorar? Aconteceu. Desde então Papai Noel rompeu comigo, justo num dezembro de desemprego e medo do futuro. Nem um pirulito de açúcar e cabo improvisado com palito de dente ganhei naquele Natal.

Então que boa alma passou pela minha porta para deixar panetones e bombons? Só tinha que ser ele: Seu Otacílio, um vizinho aposentado do INSS. Chamo-o de vizinho pelo fato do adjetivo ser uma referência. Seu Otacílio é o amigo fraterno e solidário do condomínio. Sobe e desce no elevador com outras pessoas e torna-se em qualquer circunstância a presença de respeito no ambiente.

Fala pouco, mas age com o coração. Nunca se mostra prepotente. É um cara simples que a gente, de tanto estimar, nunca se esconde nos vãos do hall de entrada para evitar. Descubro assim que não perdi meus pais biológicos e nem o velhinho que chega do Extremo Norte para vencer o calor de Londrina e trazer alegrias. Eu os tenho. O meu bom velhinho é um grande amigo. 


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