quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Conto - Outra temporada


O uniforme de trabalho carece de uns acertos. Precisa ser para ontem, não se sabe quando é que os primeiros compromissos da temporada serão fechados. É coisa para ser feita em casa, à noite, no sofá e em frente à tevê durante os intervalos das novelas. Basta uma agulha e alguns centímetros de linha. Com boa visão os pontos ficam caprichados. Um reforço de costura aqui e um cerzido ali resolvem.

Foi um puxão de menino metido a besta que descosturou a manga da túnica. Sorte que não rasgou. O furo na perna da calça, bem na altura da coxa, foi descuido de um fumante. Certo, não teve má fé. Naquele aperto baixou o braço depois da tragada e por acidente apagou a brasa do cigarro no pano. Nem deu tempo para xingar porque ao sentir a dor do queimado e perceber o estrago o sujeito já estava adiante, tentando dar mais um trago no fumo torto e sem fogo.

E olha o tamanho da mancha nas costas! Só pode ser o sorvete de casquinha que a criança entornou. Se for isso uma boa lavada devolve a cor. Mas se foram aqueles rapazes que acertaram o tecido com tinta sabe-se lá se sai. E nesse lugar não cabe remendo. Fosse na frente e se faria uma imitação de bolso.Tem até pano sobrando numa das três gavetas do quarto.

Quanto ao branco que imita neve caindo na parte da frente... talvez uns apliques de algodão e ninguém perceba as falhas. Só tem que tomar cuidado, senão o enfeite desgruda e dá vexame. O cinturão preto e largo usa-se o mesmo de antes. É de corvim e só pede uma boa água para ficar novo. As botas, na falta das de couro preto, apela-se para as de borracha. Os pés chamam pouca atenção.

O que vale é o saco de balas. Branquinho, limpo e cheiroso. Tem que dar boa impressão. Tem pais que recusam aos filhos doces carregados em sacos sujos. A barba está pronta. Os óculos estão com as lentes quebradas. Usa-se apenas o aro e pronto. As risadas longas e estrondosas quem é que não sabe imitar? Se a garganta estiver boa sobra para muitas gargalhadas.

Quanta bobagem! Sessenta e sete anos e fazendo este papel. Vou ser de novo Papai Noel pago por uma loja de variedades. E nem me recordo se algum dia, quando criança, recebi uma bala de algum. Nem chaminé a casa onde eu morava tinha. Um dia mamãe comprou um jogo de luz. Foi o único que tivemos nos nossos natais. Acendia e apagava e a gente esperava que ele viesse. Mas quem vinha era o papai, suando após a jornada de trabalho estendida em dezembro. Sempre sem poder trazer presentes.

Vai restar uns trocados com o dinheiro da temporada. Ajuntando com a aposentadoria mando consertar a bicicleta. Ela precisa mais do que graxa. Os dois pneus e mais os raios quebrados nas rodas estão garantidos. E se der compro um selim novo. Que não venha o grupo de reis no dia seis. Pouco tenho para retribuir a visita. 


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