- Alguém tem um plano de governo para me emprestar?
Qualquer um serve. É só para a campanha eleitoral.
- Tenho aqui um que copiei da internet. Completinho.
Mas foi feito para uma cidade lá de cima. Nordeste ou alguma coisa.
- Mas tem jeito de plano de governo? Se tem, serve.
É só para enganar o eleitorado.
- Desde que me devolva inteirinho e sem orelhas nas
folhas. Gastei meio cartucho de jato de tinta para imprimir.
- Devia ter imprimido no econômico. E olha,
documento em PDF! Podia ter copiado para o Word e reduzido o tamanho da fonte.
Só nisso você ia economizar umas trinta páginas.
- Eu nem pensei nisso quando imprimi. Na época eu
pretendia ser candidato a prefeito. Mas não é só no tamanho da fonte que o
documento ia ficar menor. Olha a entrelinha! Cabe em cada uma delas pelo menos
mais duas linhas de texto.
- Pois é. Isto aqui ficaria na metade. Mais fácil de
carregar, menos espaço na pasta...
- Só que desde jeito é muito melhor para ler.
Imagine você num debate? Pondo e tirando os óculos para ler?
- Ler? Que nada. Isto aqui é só para eu dizer que
tenho um plano de governo. Claro, com esta quantidade de páginas dá volume. Se
o debate for na televisão eu pego o calhamaço e mostro.
- Só não deixa alguém conferir o conteúdo. Este
plano inclui um programa municipal de combate à seca.
- Sério? Mas se alguém tiver acesso e me questionar
eu rebato. Digo que o meu plano é para acabar com as magrinhas. Vai ter no
edital do concurso público que só trabalha na prefeitura mulher com mais de
oitenta quilos.
- Se for assim você perde os votos das magrinhas.
Acho que vai fazer diferença no resultado final.
- Que nada. Ontem fui ao shopping e passei pela
praça de alimentação. As gordinhas eram a maioria.
- Não brinca com isso. Se alguém da oposição ouve
vai fazer um estardalhaço. Este plano também fala de uma política municipal
para o cacau.
- E temos cacau aqui?
- Este é que é o problema. Cacau aqui só transformado
em barra de chocolate e bombom. Troca o cacau por café. Altera com a caneta
mesmo.
- Mas café também tem pronto no supermercado. Em pó
nas prateleiras e quentinha com as promotoras de venda. Aliás, que promotora
bonita aquela do supermercado do outro lado da rua. Cabelos loiros pintados de
preto! Aquilo mexe com a gente.
- Fala baixo. Para o eleitor você só tem olhos para
a sua mulher. Um cara que não sai da igreja, faz compras semanais em companhia
da patroa e nunca derramou água fora da bacia.
-Ah, isso realmente eu nunca fiz. Mas a
promotorazinha do café é um espetáculo.
- Depois de eleito você conversa com ela. Agora você
só enxerga a sua mulher. Aliás, ela está bem gordinha. Não leve a mal, mas será
a primeira colocada no seu concurso público.
- Nem me fale. Já não aguento ficar em casa com ela.
A campanha eleitoral pelo menos me põe na rua.
- Então. Sendo assim...
- O que mais tem nesse plano da internet?
- Muda ali na página oitenta o negócio que faz
referência ao Rio Amazonas. Aqui nós só temos o Tibagi por perto.
- É, mas fala de um lago. A proposta deste plano é
construir um igual ao de Brasília, com asa norte e asa sul. Será que não dá
para fazer isso também no Igapó?
- Isso não dá voto. Melhor você colocar que vai
construir uma fonte luminosa em cima do prédio mais alto da cidade.
- Sem brincadeira. Estou falando sério. E esse
negócio do transporte fluvial de passageiros? Parece interessante...
- Só se for lá no Quati. De nenhum lugar para outro.
E não inventa muito. Quanto mais você propor mais as pessoas querem que você
prometa. Fica no trivial.
- Tem razão. Vou falar o que todos os outros
candidatos falam: guarda municipal, unidade de saúde sem fila, reconstrução do
Ouro Verde, viadutos, tarifa de ônibus mais barato, ciclovia ali, passagem de
nível aqui e assim por diante. É fácil. Dá para disputar palmo a palmo. Que
moleza essa campanha...
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