sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Conto - A manequim despida


Hora do almoço, as pessoas vão e voltam de algum lugar para outro. Misturam diferentes expressões e manipulam o tempo de acordo com suas necessidades. Há quem prossiga sério e escancare a ranzinza de uma manhã atribulada e confusa. Outros conversam sozinhos imaginando interlocutores. Tem gente que ri. Devagar, rápido ou em passadas normais integram a multidão que atravessa ruas, aglomera as portas dos restaurantes, aspira e expulsa o ar, morde, coça, canta e xinga ao mesmo tempo.

Sinto-me exposta. A minha intimidade está despida sobre o pedestal em que me coloco. No canto de uma vitrine posso ser vista por pessoas de variados gêneros, idades, crenças e convicções. Estou imoral e sem como me proteger. Indefesa, nada é capaz de esconder a minha nudez.

Posso apenas perguntar a mim mesma e pensar uma resposta que me convença o contrário do que tenho certeza que é: estou vulnerável. O que a mulher grávida pensa da minha fraqueza como mãe? Sei que ela pensa isso de mim, uma mulher nua. Seria condescendente ou dura? Acho que ela se permitiria entrar no jogo equilibrado da razão e da paixão. Assim daria pontos para ambos os lados, me premiando com um leve desprezo. E este viria na forma de uma compaixão.

Piedade! É o que leio no semblante do ancião. Piedade de mim, nua na vitrine. Vendo a minha intimidade descoberta ele me enxerga gananciosa e egoísta. Mal sabe ele que se fui para este caminho andei levada por necessidades. Tive que agir por mim na busca do tilintar consistente das moedas que me sustentam. Matei, sim, a minha fome. E se não fosse eu mesma a homicida das minhas carências, quem teria carregado a arma e puxado o gatilho em meu lugar?

Aquela criança! O que faço agora? Mochila nas costas, ela vem descompromissada. Houve dias em que percebi nos olhos da menina a franca admiração ao ver-me vestida. Tive para mim mesma que a minha beleza a despertava. E em mim ela se espelharia quando adolescente. Hoje estou nua. Como posso me esconder assim exposta. Ela saberá das minhas deficiências e talvez consiga ler as mentiras que escondo dentro das roupas em que nas outras ocasiões eu me ponho. E vejo-a passar, disfarçando olhar. Ela fica constrangida com a minha nudez.

Sou manequim de vitrine. Sem voz e sem gesto eu vendo roupas. Vestidos, blusas, saias, biquínis e peças íntimas se ajeitam no meu tamanho. Hoje estou despida e exponho carência, solidão, tristeza, angústia e imperfeições. A minha nudez esconde a virtude que eu tenho de ser manequim e caber em qualquer peça do vestuário da loja de confecções.


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