quinta-feira, 26 de julho de 2012

Crônica - O lado de lá

Carece de empurrões, mas a vida anda por aqui. Nem sempre na velocidade desejada. Às vezes é um vagar irritante. Em outras ocasiões a ligeireza põe a gente a correr e suar muito.

Construí um muro na beira da picada por onde a vida passa, logo ali. Sem tijolos, nem cal e cimento, é uma divisória imaginária cujas cores variam com o estado de espírito da gente.

Já o vi suave, num azul ou verde que não machucam os olhos. Mas também o fiz flamejante, em um vermelho cansativo ou em um amarelo torturantemente brilhante.

Daqui enxergo o outro lado quando me convém o muro transparente, feito um vidro que reflete as imagens como um espelho. Eu, inclusive, me enxergo nele enquanto vejo o que acontece no outro lado.

É o resultado de uma consciente e assumida insanidade. Nada próximo do ver para crer, que não passa de coloquial reservado para as coisas materiais. Pior ainda, é discurso e raramente chega à prática. Quando ocorre não se traduz.

Ver para crer um carro, uma pessoa, uma cena de infidelidade dentro das paredes alheias, uma prova de amor? Quanta preocupação com o que não nos diz respeito. Certos eventos melhor que fiquem apenas na caixa das dúvidas, trancafiados.

A insanidade que eu digo é aquela além das possibilidades. Digo e pratico. Quase um sonho, permite tirar os pés do chão e voar por ambientes distintos. Agora eu sofro por um grande amor e amanhã ou daqui a instantes o tenho. De uma cena a outra a transforma de loira a morena, alta ou baixa, gorda ou magra, feliz ou triste.

Fantasia! Deixando-a do lado de cá do meu muro eu a faça pobre e reprimida fantasia. Quanto mais além da divisória que não se vê as asas se abrem e rompem espaço e tempo. É por ali que eu vou, sempre num pulo. Mas se quero ser lento envio-me devagar.

A sanidade consentida é tirana e mata aos pouco. A pontada de loucura faz bem por arredondar a vida na medida em que a gente a molda, com as mãos, controlando-a para que um fio, mesmo que frágil, permita-nos a ciência de saber que a verdade está em um lado, inerte e carrasca. No outro vigora o que queremos. E vai que aconteça!


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