sexta-feira, 22 de junho de 2012

Conto - O outono me deixa outra vez

Fiz um brinde ao outono que se foi. Eu e o tempo, mais ninguém, tilintamos copos vazios numa sacada distante do ponto que podia ser visto a olho nu. Nem sol havia no meio da tarde horas antes da estação da nostalgia se ir.

E ela foi sem drama. Nem se queixou de ter que partir sozinha. Fez como quando veio: simplesmente apareceu. E delicadamente sumiu. Se choveu não foi por ela, embora no vácuo entre a sua despedida e o olá do inverno o céu tenha ficado sem nada, por instantes, enquanto a estação que me deixava era trocada por outra.

Também, de minha parte, houve o respeitoso consentimento. Claro, queria que ela ficasse. Mas me precavi para que tudo o que o meu silêncio dissesse fosse entendido como a aceitação sem angústia de um ciclo que se repete há anos, desde que nasci. E são tantas as velas apagadas...

Assumi faz tempo que ela vem e vai. Antes do conformismo havia revolta. Não vingava a consciência de que a presença dela no meu álbum de fotografias se limitasse as calçadas tomadas de folhas nas manhãs da meia estação.

Era quando eu abusava, moleque, do encanto que o outono carrega: cheiro, clima ameno, galhos desfolhados, frutas na quitanda, blusas leves e na imensidão, lá longe, o cenário que se mostrava de um dia de sol apagado. E se enxergava muito além da nitidez que a claridade permite.

Até no amor era assim. Mergulhava-se na alma da parceira e fazia-se promessa para o outro outono. Nunca o que se propunha era o mesmo do verão ou da primavera. E o inverno, por estar à espreita, chegando, jamais ganhava menção.

Ousei um dia perguntar a mim mesmo quantas promessas feitas foram cumpridas. Me encabulei ao contar que poucas aconteceram, embora muitas tenham sido tentadas. O balanço apresentou que aquelas, do moleque, de uma forma ou de outra chegaram aos seus desfechos. Mas as demais, do amante, quando exercitadas deixaram a desejar.

Talvez por isso o outono se vá assim, tão frio, nos dias de hoje. O vizinho varre o quintal, cujas folhas caídas escasseiam. Será que ele tem uma história para cada vassoura usada na limpeza das marcas da estação? Eu só tenho agora a desconfiança que devo reservar um agasalho. Não sei se vou sentir frio.


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