segunda-feira, 12 de março de 2012

Crônica - Rua é rampa que se sobe sem sombra

A blusa é estampada, a saia é preta, a bolsa é lilás, os chinelos são verdes e o sol queima igual fogo a pele clara. É uma senhora subindo a rua que parece uma rampa sem vegetação. Tem lá os seus 60 anos, salvo se a aparência engana e ela tem menos. Ou mais, quem é que sabe?

Nada é perfeito nestes caminhos. Cabelos grisalhos emolduram o rosto. Presos atrás feito um rabinho, mostram destrato. E quem é que liga para a aparência de uma velhinha subindo uma rampa que é a rua sem árvores?

Nunca os homens públicos de agora e de antes ligaram para isso. Árvores para refrescar a senhorinha, por que faríamos isso? Nem os doutores convenceram alguém quando disseram que a planta faz o gás letal virar oxigênio. Sim, dito assim de um jeito simples e incompleto, sem o uso de palavrões técnicos, já foi motivo de ironia. Imaginem se ouviriam um relato científico?

Disseram alguns que viram a mulher subindo que nem ela, provavelmente, saberia responder sobre a importância da árvore. Ela apenas diria que faz sombra durante a subida. Então cá alguém se perguntou se esta não seria a resposta ideal. Mas ficou nisso, este fulano preferiu ficar em silêncio.

Árvores servem para os passarinhos ficarem jogando fezes sobre os humanos que sobem ou descem. Chegaram a dizer isso e foi justo o dono de um carro zero, revoltado com os borrões na lataria. Ele, quando sobe, no máximo precisa mexer no câmbio. Isso se o automóvel não for automático. E calor? Para que serve, afinal, o ar-condicionado automotivo? Para subir e descer com as janelas de vidros escurecidos fechadas. Claro.

Mas logo a senhorinha chegará lá em cima. Faltam alguns passos, pouquíssimos para quem está acostumado a andar a pé. Devia carregar uma sombrinha pelo menos. Assim ela venceria a distância protegida. Bolsa de um lado, sacolas na outra mão e uma sombrinha. O peso compensa o conforto. E o suor do rosto enxuga-se numa paradinha no meio do caminho. E outra: ninguém vai reparar que ela transpira.

É apenas uma senhora de cerca de 60 anos. Se tiver mais aparenta menos idade. Se tiver menos envelheceu com rapidez. Será que ela ainda vota nas eleições? Se sim, imagina se a senhorinha vai lembrar na campanha eleitoral que fulano plantou tantas árvores? Este fulano pode ser um fazendeiro daqueles que erradicou o café, montou pastagem e agora planta cana-de-açúcar. E ele mesmo não quer árvore porque os passarinhos enchem de meleca a sua cabine dupla. Ninguém tem coragem de dizer que os pássaros estão nas poucas plantas urbanas porque transformaram os seus locais de origem em desertos.

Pois é. Nada é perfeito e a gente vai, subindo ruas que são rampas sem vegetação e votando em quem não enfrenta subida. 

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