sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Crônica - Experiência aos quarenta é nada

Pão com mortadela! Outra vez e se vai levando. É a terceira vez na semana. Lívia acabou de perder o emprego, mas o cardápio improvisado ainda não é conseqüência do desemprego. É que Lívia esta agitada, culpa da revolta misturada com a vontade de conseguir uma ocupação melhor.

São vinte e poucos anos de experiência em recursos humanos. Ela adquiriu conhecimento lidando com a papelada. Leis, procedimentos, resoluções, prazos, papeladas e outras coisas Lívia domina na ponta dos dedos e na cabeça. E assim, na vivência, Lívia jamais confundiu a austeridade com a sisudez. No comando do departamento soube se conduzir íntegra: séria, mas educada; austera, mas nunca carrasca de si própria e dos outros; metódica, porém sem neuroses quando a folha de rosto de uma pasta aparecia arquivada em ordem errada.

Nos casos de doenças e outros tipos de afastamento dos trabalhadores Lívia recorria à lei para garantir os interesses do patrão e os direitos dos empregados. Nas demissões sempre ponderou, de forma a ter certeza que o processo era encerrado com a clareza da justiça para as partes envolvidas.

Talvez por isso tenham comentado certa vez que Lívia tinha coração mole. E acrescentaram, num tom de ironia: “Serve para ser mãe, mas para comandar o recursos humanos ela nem curso específico tem. Não é psicológica, não é formada em administração, não fala inglês. Tem um monte de candidatos para o cargo com meia dúzia de certificados de cursos de pós-graduação. Está na hora de mexer ali”.

Lívia, na verdade, funcionava e muito bem no seu posto. Ela até conseguiu reduzir para a metade a quantidade de ações trabalhistas contra a empresa. Isso por rigor na papelada e acerto na condução do processo, de forma a não deixar brechas jurídicas e, principalmente, evitar que os demitidos saíssem magoados.

Não foi dessa forma que fizeram com ela. Lívia saiu cabisbaixa do emprego. Fez o trajeto a pé até a casa onde mora, distante pelo menos seis quilômetros. Esperou a família e chamou uma mesa redonda para anunciar a demissão.

E entre abraços consoladores e frases otimistas, a indignação baixou na sala de estar. Um pouco pela diminuição na renda familiar. Mais pela injustiça que na análise daquele ambiente o empregador havia cometido com uma funcionária exemplar.

Fazer o que? Lívia sabia trabalhar. Mas não tinha inglês e nem pós-graduação. E o despertar surgiu bem daí: onde enviar currículo que relacionava conhecimento e ficha limpa, mas omitia títulos pelo fato deles inexistirem? Aos quarenta e poucos ela, provavelmente, seria recebida com muita sisudez por alguns entrevistadores.

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