terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Conto - Se eu consigo falar você não entende...

Dá um tempo, fulana! Mas nem tanto, só o bastante para um respiro. Caramba, como você fala. E fala e cobra, e cobra e mais fala. Vai assim montando uma novela de epsódios truncados, diálogos interrompidos e final que se chega nunca.

E prossegue sem pausa. Até mistura nome de uma personagem da história de agora com aquela que ainda será relatada. Se faz uma pergunta tenho dúvidas se devo responder. Mas também para que? Você mesma tem a resposta e quem sou eu para discordar?

Que nada. Vou ouvindo. Quando posso consinto com um balanço de cabeça. Se não há como faço uma careta de espanto. Também recorro à expressão de surpresa. Ou dou-me ao trabalho de responder com monossílabos só para fazer de conta que estou entendendo.

Eis a questão. Se entendo e não concordo eu me calo. Se não entendo e não estou nem ai nada digo. Se quero concordar com entusiasmo você não deixa e eu me retraio. Que coisa estranha esse nosso diálogo!

E me pergunta ainda se gostei da janta de ontem. Vai que eu tente ser honesto comigo e diga que faltou sal no tempero da torta. Certo, já sei a resposta. Vou morrer de pressão alta se continuar consumindo tanta porcaria. Então quero dizer que algumas porcarias são gostosas. E o medo é que você pense que eu esteja me referindo a você. Como é que eu fico?

 Por falar nisso aquela da gordura foi trágica. Ofereci uma taça de sorvete e você recusou. Argumentou que estava de regime e tinha que se cuidar. Sinto muito. Não pude evitar o fora. Respondi que mais gorda do que você já estava não tinha chance de ficar.

Adivinhe o que aconteceu comigo? O olho roxo ainda embaça. A inflamação da unha encravada vai aos poucos se ajeitando. Mas os ouvidos, como ardem de tanto você falar que eu fui deselegante e cafajeste. Pode isso? 

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