sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Conto - Nem o mar foi parceiro na dor do mijão

Escreveu o nome dela na areia. Mas o fez de um jeito desaforado e fora do peculiar, fruto de um estado de revolta. Mal grafada e incompleta por falta de urina, ficou mais ou menos assim: angelic

Sem a letra “a” e nenhum ponto. Omitido o maiúsculo e nada de floreios. Nome incompleto e torto cuja justificativa foi a pressa, de forma a evitar que alguém o flagrasse durante a escrita inusitada.

Bastaram dez minutos e a palavra ser apagou por culpa do sol. Nem evidência sobrou. Claro que restou o alívio da necessidade feita e o desafogo da alma por ter cometido, segundo a sua cabeça, um ato de desconsideração.

Ninguém leu o nome de Angélica mijado na areia a uns 10 metros do mar. Naqueles dez minutos que a letra resistiu ao calor por uma única vez alguém correu até o local atrás de uma bola perdida. Mas era tanta pressa de voltar ao jogo que a pessoa nem percebeu que a redonda havia danificado a letra “g”, bem lá em cima e no pé, de um jeito que ela ficou parecendo um “y” arredondado.

A intenção era escrever ANGÉLICA INGRATA, tudo em caixa alta, mas ele mesmo assumiu que era pouca cerveja para duas palavras relativamente grandes. E mesmo que houvesse carga na caneta a acentuação ficaria prejudicada. Como dar uma parada na escrita para voltar ao “é” de Angélica? Difícil.

Tanto que ele pouco se importou da palavra sair incompleta e evaporar depressa. E a pessoa que deveria ler a mensagem nem por ali estava. Angélica há dois dias desfrutava os prazeres da praia com um novo namorado que nem tanta cerveja bebia. Era mais chegado a uma vida saudável e preferia suco natural. Politicamente correto, imaginava-se desse novo par que ele jamais urinaria na areia para escrever desaforos.

E o abandonado, minutos depois, nem se tocou que estava com vontade de mijar. Dentro da água tentou se aliviar e nem o mar aceitou sujar o seu líquido com sentimento tão pesado. Ele teve que sair e correr para o mato mais próximo onde não foi possível. Um casal fazia sexo por ali. Sem nada a perder soltou-se no meio da multidão e retornou ao mar. Conformado com a sua situação de infeliz no amor.  

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