quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Crônica - E as músicas natalinas são de chorar...

Lamentosas, melentas, arrastadas e deprimentes, elas são cantadas por intérpretes variados. Choraminguentas, empurram a euforia lá na parede dos descartes. E olha lá na fila dos caixas da loja de departamentos o montão de gente ouvindo e chorando, chorando e ouvindo, pagando e chorando, parcelando e ouvindo simone chorando. E os cabelos dos xororós lambidos emocionam tanto quanto a juba dos chitões, sejam eles zinhos ou não.

Aquele cidadão gordo de camiseta regata levanta os braços em cima dos balaios de pães frescos e sugere, meio que mandando:

- Não tem algo do Roberto Carlos pra rodar? Manda aquela música que ele gravou pra Globo... Aquela com um monte de artistas de novela chorando...

Nisso a menininha de seis anos cutuca as nádegas da mãe, que pensa ser vítima de uma bolinação:

- O senhor cutucou a minha bunda?

O idoso faz com a cabeça que não e com o queixo aponta para a garotinha. Ela não entende o sinal e insiste:

- O senhor apertou a minha bunda com este dedão sujo...

Só então a mulher percebe que a pessoa é maneta. Foi preciso a intervenção da filhinha:

- Fui eu, mãe. É que aquele homem gordo que pediu música do Roberto Carlos abriu os braços em cima do pão francês. Tem um monte de pelo no sovaco...

Constrangimento instalado. Enquanto xororó arrastava um lamento natalino e uma balconista do setor de eletrodoméstico, logo adiante, se derramava em lágrimas, a mulher da bunda cutucada percebeu que o gordo do Roberto Carlos tinha um matagal exposto em cima dos produtos e um bigode daqueles que quando o prato é sopa fica duro de tanto molho.

E o gordo bigodudo e peludo quase abre a boca para se defender. Por sorte, o funcionário responsável pelo som anunciou a promoção de CDs natalinos que incluía uma novidade com Roberto Carlos, a Globo, os artistas das novelas, o Didi, o Faustão parecendo uma pirâmide invertida, o Caco Barcelos querendo ensinar jornalismo e o Pedro Bial só ali, de tocaia, selecionando entre os músicos do rei um bom participante da próxima edição da Baita Besteira Brasileira.

Então tudo entrou nos conformes. O gordo dos pelos se aquietou e ouviu o rei cantar lançamentos dele e da globo de anos atrás. No que um careca de bermuda, meia e sapato social comentou:

- Mas no Natal é tudo novidade. A gente gosta, fazer o que?

A mulher da bunda cutucada, coitada! Ainda não se sabe se ela se aliviou quando soube que a filha é que havia feito aquilo ou sofreu decepção por não ser bolinada nem por um idoso.

Xororó e chitão foram para a banca de promoção. Estava por nove e noventa e caiu para um e noventa. Simone, na versão do “então é natal”, estava praticamente de graça. O cartaz da banca dizia: “Compre uma dúzia de banana caturra e ganhe cinco CDs”.

O pessoal da fila do caixa chorou mais ainda ao ouvir, pagar, digitar senha do cartão, escutar, somar e empacotar panetones. Aquilo sim era uma confraternização natalina. E o rei é especialista em armar comoção. Ouviu-se, no rabicho de uma música, ele dizendo:

- São muitas emoções...

Mas tinha que aparecer um estraga prazeres. Veio de chinelos de dedo, unhão encardido, e entrou no departamento de crediário cantando:

- Eu pensei que todo mundo fosse filho de papai noel...

E foi aquela revolta da galera. Também pudera! Assis Valente, o autor desta música contestadora, que nos perdoe. Natal, afinal, é para ouvir lamúrias e chorar. O gerente da loja até tentou acalmar os ânimos:

- Gente, não é hora de manifestação. Deixa os protestos lá para os estudantes da USP. Aqui é pra gastar bastante e escutar estas músicas emocionantes. E quem quiser chorar que chore, caramba... 

O gerente, aliás, estava de saco cheio de tanto ter que ouvir música natalina e ver consumidores chorando de emoção. Mais certo foi o menino que olhava os notebooks na seção de informática e perguntou ao pai:

- Natal não é para todo mundo ficar feliz?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PARTICIPE: