domingo, 14 de agosto de 2011

Crônica - O catador de papel

Antes ele usava um terno preto. A camisa branca era fechada até o colarinho. Os cabelos, loiros e longos, caiam para trás lambuzados de gel. O seu meio de transporte era uma bicicleta, nem tão velha e nem tão nova. No bagageiro, sacos de papel catado na rua. No guidão, mais sacos de papel.

Passava pela rua Professor Samuel Moura, na Zona Oeste de Londrina, lá pelas sete da noite. Pontualíssimo. Com ou sem chuva. O terno preto perdendo o brilho, os cabelos crescendo, a pasta que os mantinha alisados rareando.

Depois ele trocou o guidão da bicicleta por um volante de carro. Não se sabe se aquele volante foi fruto de uma compra ou de uma permuta. Instalou uma buzina em forma de corneta e parecia feliz com a impressão de conduzir um carro movido a pedaladas. Sacos de papel no bagageiro e presos no volante.

Um dia conversei com aquele homem. Sou cronista e tenho a conversa com as pessoas como um prazer e uma ferramenta de produção. O catador de papel foi simpático. Demonstrou muita vontade de conversar.

Eu queria saber daquele terno preto. Teria sido resto de um tempo bom? Fiz rodeios para não entrar de impacto, amaciar e não assustar, pois eu havia ouvido uma história: ele teria trabalhado para uma pessoa muito influente da política antes de virar catador de papel. Era a versão que eu tinha.

O homem, educadamente, respondeu que tinha um terno preto que usou até acabar. Não disse mais nada e eu respeitei seu silêncio. Desisti de buscar um passado que ele preferia omitir.

E o transcrevo assim, como um homem que um dia teve um terno, uma camisa branca e talvez meia d[uzia de gravatas. E que ele usou dessa roupa até que o tempo o permitisse. Um dia a roupa se esfarelou. E com o fim daquela roupa já tão gasta ele encerrou uma história que podia ser boa, como também trouxesse recordações ruins.

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