terça-feira, 16 de agosto de 2011

Crônica – Apenas uma cena de rua

Alguma dor torturava aquela senhorinha de cabelos encaracolados e grisalhos presos à nuca. Via-se no tom avermelhado da pele ao redor dos olhos. Pele mulata, com as rugas a denunciar muitos anos de vida. E os glóbulos, também na cor das chamas, transmitia um choro.
Na mão esquerda a pequena mão de uma menina, talvez a neta. Na mão direita um pano branco de alvura muito contrastante ao avermelhado dos olhos. E se deram conta, as pessoas ao lado, que o lenço era levado ao rosto para afagar a mancha ou secar as lágrimas.
Tinha muita pressa aquela senhorinha. Magérrima, esgueirava-se ora das pessoas, ora dos obstáculos que os passeios públicos colocam à frente. Ia para algum lugar e em determinado momento alguém da multidão, com certeza, se perguntou: para onde e por que com tanta ansiedade de chegar?
Sim, algumas pessoas se perguntam sobre situações alheias. Às vezes o certo seria dirigir palavras, mas o cotidiano tem asperezas que não permitem conversas. Então o silêncio é somado a um olhar de compaixão, fruto de uma solidariedade contida, não manifestada, presa na alma e trancafiada na garganta.
E vem a pergunta: que dor maltrata a senhorinha? Seria um incômodo físico, talvez uma inflamação nos olhos? Ou seria um desconforto do coração, algo tão agudo que levasse ao pranto?
Ninguém, porém, ousou quebrar aquele momento com interferências que pudessem parecer intromissão. A senhorinha seguiu apressada, puxanda pela mão esquerda a menina e levando a outra mão aos olhos.
Deixou um rastro de indagações que as outras pessoas, mesmo aquelas que demonstram indiferença, costumam se fazer quando diante de cenas que causam alguma espécie de comoção.

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