sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Crônica - Café com aspereza dá azia

- O que é?
Ríspido e sem olhar para a cara do freguês o comerciante costumava atender as pessoas que entravam em seu estabelecimento. Quem chegava tinha a impressão que incomodava, pois a recepção era, muito pelo contrário, um convite para se retirar do local.
- Dá um café aí, ô...
O pedido, tão grosseiro quanto a pergunta feita pelo comerciante, naquele dia atraiu olhares de pessoas que antes cabisbaixas beliscavam o pão e bebericavam o líquido preto e morno, graças à garrafa térmica de plástico azul claro, com manchas marrons na boca.
A cena lembrava um pouco o ambiente de um educandário de disciplina exageradamente rígida, onde as crianças mal se olhavam durante as refeições. Ou o enorme refeitório de um complexo prisional, onde os diálogos, quando muito, escapavam sob sussuros.
- E aí, ô. Está sabendo que eu sempre peço um só pinguinho de leite pra quebrar o escuro. Isto aqui está uma palidez. Dá outro...
Era de se esperar que o comerciante, estufado dentro de sua avantajada barriga e achatado nos seus um metro e sessenta de altura, retrucasse como de hábito: agressivamente.
Nada disso. Naquele dia o meia idade quase se escondeu atrás dos óculos enormes de aro de metal. Fato que assustou a maioria dos presentes.
Na verdade, trabalhavam naquele estabelecimento o cidadão ríspido e os filhos que mais atrapalhavam no balcão do que ajudavam. Patrão, proprietário e chefe de família, o barrigudinho queria ser simpático, mas descarregava nos que faziam o movimento da mercearia os encontrões com os filhos no pequeno espaço que restava até a parede, pois era ele que além de servir café morno e pão amanhecido com manteiga, além de pastel derramando gordura e coxinha retirada do fogo antes da fritura, era obrigado a atender no caixa.
E o freguês que naquele dia alterou comportamento e pediu café com grosseria fazia um teste. Imaginou que respondendo no mesmo tom mostraria ao comerciante que o seu jeito de atender não agradava.
Deu certo. Com o tempo o dono da mercearia ainda atendia com rispidez, mas antes de receber uma resposta grosseira soltava um sorriso que era mais por achar engraçado aquele estranho tipo de diálogo no balcão.

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