terça-feira, 21 de setembro de 2010

Crônica - Futebol ou regatas?



Boa Vida Futebol e Regatas. Era o nome do time amador daquela cidadezinha a seiscentos e poucos quilômetros do mar. Cortada por dois riachos e uns seis córregos de atravessar num pulo, sem molhar as barras das calças, a localidade era um secadão. Nem um lago ou prainha artificial à vista. Só lá em cima, no Morro do Desce Sentado, descia um fio de água de uma mina.

A inspiração do regatas veio, lógico, do Mengão. Clube de Regatas do Flamengo. É que o Nézinho do Bar da Esquina tinha paixão pelo rubro-negro e era o dono do jogo de camisas. Prevaleceu, assim, essa superioridade na eleição da escolha de um nome do time que era conhecido até então como Time do Nézinho.

Por falta de informação, para não falar que era ignorância, ninguém se tocou que regatas tem a ver com água e barco a vela. Que é uma competição que não acontece no seco. Então o Mengo, assim como o Vasco e o Botafogo, usavam o regatas em seus nomes de boca cheia, tamanho era o orgulho de ter equipes competindo na modalidade.
Mas o Boa Vida, tão longe dos oceanos, não tinha razão de ser.

Nem no Torneio da Primavera de Barco de Papel, realizado todos os anos no segundo domingo de setembro, o time tinha representantes. E olha que a competição, lá no Córrego do Quentão, era movimentada. Os pais levavam as crianças e ensinavam os filhos a montar os barquinhos com folhas de cadernos usados. Na corredeira aquilo se desmanchava e descia papel até a curva da fazenda vizinha, onde a sujeira ficava amontoada.

Sem problema algum. Na verdade, o time era chamado pelo povo só de Boa Vida, uma referência aos freqüentadores do bar onde a agremiação surgiu. O Futebol e Regatas ninguém usava.

Um dia o time foi convidado para um torneio intermunicipal, o primeiro depois de quatro anos de fundação. Foi ali, na assinatura da ficha de inscrição, que um engraçadinho se meteu. Ele era dono de uma das mais fortes equipes da região. Advogado, o homem humilhava os semelhantes com ironias, só porque morava em cidade maior e tinha uma profissão importante.

- Então é regatas é?

- Sim senhor. Boa Vida Futebol e Regatas.

- E quantos barcos vocês têm? Ou como dizem por aqui, oceis têm?

- Que barco doutor? Barco não tem nem rio para deslizar.

- Então eu não entendi o regatas. Regatas é disputa na água, de barco, sabe, barco a vela.

- Uai? E porque o Flamengo tem regatas no nome?

- Ah, o Mengão. O Mengo tem regatas, tem água de um lado a outro. Lá sim. Mas aqui...

- Ih... mas não pode participar assim?

- Claro que pode, ô. Só estou corrigindo o nome. Porque é de dar risada.

O assunto virou polêmica na localidade. Farias, do açougue, queria trocar o nome o quanto antes. Adamastor até discutiu com o Nézinho, que sugeriu o nome. Na escola a professora pediu para os alunos pesquisaram na biblioteca alguma coisa sobre regatas.

A solução veio da dona Maria Ouvideira. Ela havia passado uns pares de dias na casa da filha, lá perto da capital, e passou pelas Lojas Americanas durante um passeio. Lá comprou umas quatro camisetas regatas para presentear o velho. Esperta, saiu-se com essa:

- Se alguém perguntar porque o time tem regatas no nome, digam que é por causa das camisetas, uai.

E ficou sendo.

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