domingo, 16 de maio de 2010

Crônica - Adeus língua e cultura brasileira



Nunca alguém me disse que a globalização é uma coisa redonda, feito uma bola, mas imagino-a bem quadrada. Lembro que quando o tema virou moda e ganhou destaque nos jornais e espaços nos programas jornalísticos de televisão e rádio, além de debates, fóruns e audiências públicas, havia uma maioria de brasileiros eufóricos com o que se anunciava. A minoria, mesmo a que não era totalmente contrária, sugeria cautela. E com razão, muitas arestas tinham que ser aparadas.

Algumas idéias sobre a globalização eram simplistas demais. Um Mercosul com abrangência maior, por exemplo. Veja, se considerarmos que o Mercosul é para o cidadão comum algo insólito, sem cheiro e nem cor, então a globalização é só um treco parecido em proporção maior. Realmente simples, não?

Na época, aquela conhecida chata já me alertava toda vez que tinha a oportunidade de uma prosa: "Tem que fazer um bom curso de inglês. Eu já estou na terceira fase e consigo conversar sem receio com o pessoal da matriz. Vá por mim, porque a globalização está ai".

Eu ironizava. Depois justificava que, sendo um profissional da área de comunicação, a minha obrigação era o bom domínio da língua portuguesa. E ela, balançando os ombros, apenas respondia: "Um dia vai me dar razão".

Pois ontem, anos depois desses diálogos com a minha amiga, conferi na Internet alguns sites de oferta de vagas na minha área. Não é que ela tinha razão? A maioria das vagas tem nos requisitos o inglês fluente e avançado.

Detalhe: os caras querem inglês fluente ou avançado e pedem ainda profissionais formados a menos de dois anos. O candidato deve, no mínimo, frequentar um curso de pós-graduação. E o salário...

Então foi por isso que eu vi na TV a cabo, onde a exigência do inglês fluente é básica, que os textos em inglês são perfeitos, mas em português aparecem aberrações vergonhosas.

Eu vi outro dia um senhor boa pinta informando-se sobre vaga oferecida por uma empresa meia-boca de porte médio duvidoso. A conversa, com o direito de exageros e ironias na minha narração, se deu assim:

- A vaga que nóis tem é de auxiliar de assistente de assessor de subgerente do almoxarifado. Como de vez em quando "está sendo" preciso conversar com o pessoal do fornecimento, que é daqui mas gosta de falar ingrês, o senhor precisa ter "ingrês fruente e avanssado".

- Não tenho inglês fluente e nem avançado, senhorita. Mas sou doutor em letras. O meu inglês foi o suficiente para cumprir as exigências do mestrado e do doutorado.

- Isso não pede aqui não. Pede também especialização. Isso o senhor não tem.

- Eu disse que tenho doutorado. O doutorado eu fiz depois do mestrado.

- Não serve não. Tem que ter especialização.

- Certo, mas mestrado e doutorado é além da especialização, moça.

- Por isso é que não serve. Aqui está claro: tem que ter uma especialização.

E a moça se deu pelo dever cumprido naquele atendimento. Foi debater com a colega os últimos lances do BBB. Depois avisou que assistiria à noite um filme do Didi, que é cultura, mas já havia alugado outro da Xuxa, que é pra lá de conhecimento. Mostrou também a coleção de CDs para o chefe, com todo o repertório do pessoal sertanejo universitário, que para ela é o fino. Cinco dias depois recebeu aumento porque ela sabe inglês perfeitamente e concluiu uma especialização dessas que se fazem só para tapear os recursos humanos, que gostam, aliás, de serem tapeados para parecer que são importantes.

O doutor em letras, que alé de tudo tinha uma enorme experiência profissional, sem emprego decidiu vender CDs piratas de duplas sertanejas do circuíto universitário para pessoas que gostam de se enganar.

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