O coração, às vezes, é como um carro conduzido em alta velocidade por uma estrada esburacada. Requisita frenagens bruscas e nem sempre a ação ligeira do pé sobre o pedal do freio evita o açoite: um baque, o assobio do ar escapando, a roda torta, os pneus murchos e os solavancos no asfalto são as consequências.
Há um momento de pânico em seguida ao acontecimento. Depois o arrependimento, a angústia e uma espécie de vazio. O que aconteceu? Por que não evitei isso? Se eu tivesse tido mais cuidado... O que faço agora?
Constantin era o seu nome. Ninguém da família sabia explicar de onde os pais, já falecidos, haviam extraído aquela marca de batismo. No banco as moças atendentes chamavam-no de Constantino. Na escola, quando a distante Constantinopla entrou nas aulas de história, alguns colegas diziam que Constantin nada tinha a ver com o imperador romano que deu nome à hoje Istambul.
Para os amigos Constantin era Tin. Alguns, meio desajeitados, costumavam insistir: "Tin do que mesmo? Tin de Souza? Tin Maia? Tintim por tintim?" Não havia nada de estranho em se chamar Constantin, mas ela, agora com vinte anos, achava-se fora dessa embalagem esquisita. Às vezes se perguntava: "De onde veio a inspiração para me batizarem de Constantin".
O problema era a moda. Num tempo de forte influência da televisão, predominavam nomes sotisficados, alguns de raízes estrangeiras. Na internet, Constantin chegou a encontrar um fulano chamado Robin Batmanzino Ferraz. Isso sim, seria o absurdo, pois deixava de ser sofisticação, era a pura cafonice. Constantin localicou Yasmyn, escrito assim mesmo no tempo em que a lei permitia exageros. E teve até o filho de um fotógrafo lambe-lambe, num canto qualquer do Brasil, que recebeu o nome de Photocor Branco de Almeida.
Constantin nunca havia se preparado para o momento em que encontrasse uma namorada. Aos vinte anos, cedo ou tarde a paixão aconteceria, mesmo para ele que morava no braço esquerdo da estrada da curva à direita no povoado do centro do município do fim do mundo.
Foi na volta da escola, já de noitinha, depois de descer do ônibus que trazia os estudantes de Londrina já no momento em que a lua se preparava para deitar diante do sol. Constantin não havia percebido aquela menina sentada no banco de trás, usando calça de moleton verde e blusa de lã cor de rosa. Ela, vizinha recém-chegada, desceu no mesmo ponto. O coração bombeou sangue, a nervura esquentou a cara, os olhos ficaram esbugalhados e Constantin puxou conversa.
Pergunta pra lá, pergunta pra cá e olha que eu faço esse caminho todas as noite e nunca me aconteceu nada, mas para você que é mulher é bom ter companhia. Constantin convenceu a donzela, até porque as folhas balançando ao vento do início da madrugada causavam um zumbido assustador. Justo naquela tarde Alzita, a mãe da estudante, havia recontado história contada pela avó dela, que era a bisavô da moça: dizia da cantoria, sempre em noite de Lua Cheia, da moça que havia perdido o namorado numa briga e morreu de desgosto cinco dias depois, ao descobrir que a causa da briga não era ela, mas uma bicicleta azul e branca com ferrugem nos aros da frente e de trás.
Engraçado, não haviam se perguntado os seus nomes. Foi ela quem teve a iniciativa:
- Como é seu nome?
- Só falo se você disser o seu primeiro?
- Ah não, você primeiro.
- O meu nome é feio?
- E isso importa?
- Você vai dar risada?
- Claro que não. E se eu gostar? Fala o seu nome...
- Está bem. Começa com C.
- Não enrola, fala logo o seu nome.
- Termina com N.
- Fala, eu quero saber.
Quase murmurando, Constantin desabafou:
- Constantin...
- Heim... não entendi.
- Constantin.
- Consentin?
- Constantin...
- Por que acha que eu ia rir do seu nome? Por que acha o seu nome feio?
- O pessoal sempre gozou do meu nome.
- Eu não acho feio. Assim eu é que fico envergonhada...
- Por que? Como é seu nome?
- Começa também com C e termina com A.
- Carina?
- Não, Constantina.
Riram-se muito até cada um deles chegar em suas casas. A partir daquele riso decidiram entregar os seus corações para as curvas e as derrapagens do amor, dentro do ônibus que os trazia da escola pela estrada esburacada, no canto da sala de aula, atrás da moita de cana-de-açúcar, na beirada do carreador e na mina d'água abaixo da cabeceira do pasto.
Sem medo das frenagens bruscas, dispostos aos solavancos e aos zumbidos do vento que vinha do norte e balançava as folhas nas noite de outono. Chegaram logo à conclusão que até nos nomes eles davam certo.
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