quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Conto - Prenúncios...

Núbia pressente a chegada da Lua Cheia pelas batidas do coração. Calendários com os períodos discriminados de nada valem para ela.

- É para começar hoje, mas há prenúncio de chuva. As nuvens vão encobrir o céu à noite...

Assim, a Lua Cheia, para Núbia, ficava para depois da instabilidade, caso a estiagem viesse antes do fim do período.

O que regia as mudanças, dizia a moça, eram os anúncios que a alma colocava no seu espaço interior. Felicidade, angústia, mágoa, tristeza, revolta, calma, agitação, expectativa, incerteza ou paciência davam os sinais. Códigos assimilados por Núbia desde criança, parecidos com os prenúncios captados pelos antigos: se a perna há anos recuperada de uma fratura doer, espere por mau tempo...

Antes, até a adolescência, estes pressentimentos estavam mais ligados às recompensas materiais. O presente esperado no aniversário ou o ovo de páscoa prometido pela tia, por exemplo. Núbia comandava um jogo de adivinhação com as amigas.

- O meu coração diz que este ano o presente de Natal vai ser bom...

Depois, na juventude, o novo aparelho de telefone celular, o par de brincos, as sandálias de saltos altos e os outros objetos e brindes foram substituídos por sentimentos.

- Hoje não estou bem. Acho que vou dispensar o namorado...

O dia do noivado sofreu mudanças por duas vezes após adiamentos decididos em cima da hora, porque o coração de Núbia previu azar no primeiro cancelamento e riscos no segundo. A terceira tentativa vingou graças à persistência e criatividade de uma amiga, que conseguiu dar nova leitura à interpretação feita por Núbia para um sentimento de angústia:

- Não é angústia, amiga. Você está é estressada com os preparativos. Vai firme que o que você está sentindo é ansiedade. O noivado vai acontecer daqui a pouco e depois tudo se normaliza.

O casamento foi uma boa prenda. Núbia só teve sentimentos positivos e as previsões de filhos, casa própria, carro novo e bons empregos para o casal foram cronologicamente anotadas naquela agenda imaginária que cada pessoa traz dentro de si.

Vieram os filhos. A primeira, hoje uma bela adolescente, bateu com os prenúncios da alma de Núbia, apresentados ainda na primeira semana da gravidez, antes da realização de qualquer exame. O segundo valeu a perda de uma aposta para a vizinha, que ainda na fase de desconfiança de uma nova gravidez, quando a menstruação atrasa, disse que desta vez viria um menino.

- Nada disso. Já senti que vou ganhar outra menina...
Veio um garotinho, traços parecidos com o do pai. Para evitar erros e incomodações no futuro, a produção foi encerrada por ali. A mania de prenúncios de Núbia rendia a ela algumas ironias disparadas por parentes e conhecidos.

A compra da casa própria e de um carro novo bateram. A separação, após 14 anos de casamento, estava fora de cogitação. Nunca chegou a ser ventilada, mas Núbia tratou de colocar um remendo na situação:

- Eu bem que senti no dia do noivado que a gente não ia acabar bem.

Seguiram-se anos de agonia. O fim do casamento pesou o tamanho de uma depressão que em alguns momentos foi profunda. Núbia jurou que jamais se casaria outra vez. O casal de filhos, na pré-adolescência, engoliu momentos de humor enchovalhado. A idade biológica de Núbia, na faixa dos trinta e poucos, não conferia com o perfil físico. Relaxada na maneira de se vestir, cabelos desalinhados e a pele do rosto maltratada pela falta de uma maquiagem fazia daquela mulher uma pessoa desprezível. O comportamento, idêntico ao de uma velha ranzinza entrando na fase do esquecimento e da teimosia, complicavam tudo.

Então surgiu um sapo na vida de Núbia. Ela apostou que bastaria um beijo para transformá-la num príncipe. A fase dos prenúncios, que havia desaparecido com o período das penúrias, voltou com o príncipe. Ambos decidiram que a Lua Cheia seria um marco em suas vidas. Foi numa noite iluminada por ela que eles se conheceram, no retorno de uma celebração religiosa.

Mais do que um símbolo de amor, a Lua Cheia passou a ter o papel de apaziguador após pequenos desentendimentos. Por isso ela era esperada com muita expectativa. Núbia, com seus pressentimentos, sabia quando a Lua chegaria como uma grande conciliadora.

Havia uma dependência para ser resolvida desta. Uma questão que precisava de resposta. Um caso de vida e morte no universo das coisas do amor. O tempo fechou, o céu nublou, a chuva caiu. E a Lua Cheia não veio.

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