sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Crônica - Idolatria

Era um Deus para aquele grupo de pessoas. Creditavam a ele uma inteligência fora do comum. Nas pequenas e grandes discussões, qualquer que fosse o tema, cabia a ele a última palavra. Uma sumidade envolta em uma manta transparente, a aura invisível rodeando a cabeça de cabelos ralos, e as asas, inatingíveis, formando um delta, compunham a figura do endeusado.
É verdade, o homem tinha lá os seus dotes. Hábil na matemática, mostrava-se imbatível nas coisas da economia, assunto que debatia sem ser interrompido tamanho era o conhecimento que tinha. Os fiéis escudeiros que o mantinham encouraçado chegavam a comemorar com orgasmos mentais as elucubrações daquele todo poderoso. Rodeavam-no como se faz com os espécimes que são raros. Evitavam contrapor idéias. No máximo, sugeriam algo aqui ou ali.
O que aquela gente não sabia era que aquele homem não deixava de ser um comum, como qualquer outro ser humano da face da terra. Ele não tinha o perfil de um gênio, desses tantos que aparecem no mundo de uma hora para outra, com idéias, ações e realizações. O endeusado não passava de um ídolo, pois faltava-lhe um elemento que é essencial na formulação de um grande ser: senso de humanidade.
Sem humanidade, o homem não tinha senso de justiça. Faltando-lhe justiça, ele não enxergava a vida que corria além das janelas do seu automóvel, refrescado no verão com um ar condicionado. Sua bondade era falsa, pois pouco ou nada acrescentava para o beneficiado. Sua voz soava falsa e inconsistente. Seu sorriso intimidava devido ao tom de ironia.
Ainda assim havia no grupo aqueles que acreditavam: "O homem não defeca, pois ele é um Deus!" Fisiologismo era, portanto, uma palavra quase que proíbida para aquela gente, quando o tema era o endeusado. "Ele não arrota como nós, pois seu organismo é puro!"
E quase ninguém viu aquele homem arcado, um dedo em riste apontado para o seu rosto, num gesto de ameaça e intimidação que nenhum Deus, e muito menos um gênio, mereceriam. O homem acuado, sem a manta, sem aura e sem asas, era apenas o projeto de um ídolo torturado por quem o fez e o lançou ao mundo com a marca de um herói. De barro.

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