domingo, 16 de junho de 2013

Conto - Favo de Mel


Tão doce! Esparramado na boca leva à cabeça a sensação de plenitude. Cor de ouro, o licor faz flutuar e a inconsciência dos efeitos levanta questões lúcidas: mantê-lo na boca ou engolir?

Devaneios são temporais. Chegam e vão sem avisos. Duram o tempo que for preciso e quem estabelece esta regra é o acaso. Inútil tentar prolongá-los. Desnecessário pensar em abreviá-los, pois eles se vão muito antes da percepção de uma indesejada presença. Partem enquanto há deleite.

Favo de Mel! Foi assim que eu a conheci. Tal qual o prêmio das abelhas aos que ousam provocar os enxames, o beijo dela era alucinante.

Entrei indefeso e atordoado na armadilha que ela armou. Sem luvas, cara e peitos descobertos, pés descalços avancei pela trilha que ela riscou em seu bosque. Venci labirintos e refiz trechos, sujeito às condições que ela impunha após cada trecho percorrido.

Foi um tempo sem medida, nem longo e nem curto. Se choveu durante o caminho a água foi bem-vinda. Se a estiagem secou a umidade o calor que veio foi agradecido. Frio nunca senti. Nem sono e cansaço. A preguiça embrulhei e deixei num canto lá atrás.

No fim da trilha ela armou a sua arapuca: o coração aberto, feito uma vasilha que mel não tinha a transbordar. Mas derramava amor, tão doce e licoroso quanto o líquido alucinógeno de ouro catado dos favos que as abelhas, desafiadoras e provocativas, escancaram aos olhos dos desprevenidos.

Enchi a boca com os beijos dela. Transbordei meu coração com o amor dela. Favo de Mel! Assim ela se apresentou a mim. Agora ela me deixa amargo num lugar sem armadilhas. Ela fechou a sua arapuca e me deixa fora. Eu volto daquela consentida prisão e penso que nunca estive atado por inteiro. Só senti o sabor precário da plenitude e fugi, como fazem todos os que apenas aceitam o doce.

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