sexta-feira, 29 de junho de 2012

Conto - Outras luas

A lua é de Letícia. Foi dada a ela por Henrique já no início da noite quando se pôs cheia. Imensa e prateada, mostrou manchas que outrora a moça julgava ser São Jorge sobre o cavalo e de lança em punho. Assim diziam os antigos. Letícia, ainda menina, ouvia e aceitava.

Agora a pretura rabiscada na face exposta da bola de luz eram saliências do amor, segundo consenso do casal de namorados. Sinais da eternidade prometida em juras, aos sussurros e entre beijos duradouros.

A paixão é assim. Aquela troca de afagos se fazia recente, coisa de dois dias e algumas horas. Mas suficiente para Letícia se apossar de algo que tantas outras queriam. E nem todas tinham o privilégio de em tão pouco tempo merecer de seus amados tamanho presente.

Mesmo distante a lua podia ser tocada pela moça. Bastava erguer os braços e estender as mãos, onde a claridade deitava sobre as palmas e deixava uma sensação de maciez. Aquelas mãos é que retribuíam com carícias na pele de Henrique. Primeiro no rosto, depois no pescoço e em breve no peito, descendo e subindo, subindo e descendo.

A lua era também testemunha. Muito do que se queria fazer era negado realizar sob os olhares dela, brilhante e curiosa. Então se punha o casal embaixo da copa da árvore, ele tão ressabiado quanto ela, para os apertos mais finalizadores e os sentimentos mais profundos. Sempre olhando de lado, ambos, com receio de marcar aquele símbolo pendurado no céu com os respingos de uma necessidade física do amor.

Por isso Letícia e Henrique esperavam o quarto minguante com muita ansiedade. Era como guardar a esfera valiosa numa caixa, para que ela não perdesse o brilho. E tudo se fazia mesmo nas noites em que as estrelas iluminavam com mais força o canto do quintal onde ambos namoravam.

A lua nova, em seguida, era o tempo de espera. Às vezes ela coincidia com o período fértil da moça, quando os cuidados eram necessários. Mas não se poupavam os beijos, cuja duração se media pelo tamanho do fôlego. Quanto mais demorado mais os pés saiam do chão.

Então o quarto crescente aparecia feito um filete, curvo e prenunciador. Chegava a hora de tirar a caixa de cima do armário e abri-la para soltar a lua cheia, que representava, sempre e incontestável, o recomeço de uma boa história vivida por duas pessoas: declarações de amor, gritos de paixão, sussurros, promessas, compromissos e a copa da árvore, cúmplice dos atos.

Nem aos planos e aos projetos Letícia e Henrique haviam chegado quando depois de muitas luas as nuvens passaram a esconder a lua, qualquer que fosse ela: cheia, minguante, nova ou crescente. O namoro chegou ao fim e ela abandonou o presente no mesmo ponto do céu onde a havia recebido. Ele tomou a lua de volta para dá-la a quem surgisse. E outras luas vieram, assim como as nuvens se seguiram.


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