Banana pra nóis - Lá na casa do Antenor (2)
Passa o café e o coador é de segunda. A água preta desce aos pingos. Ou o pó, comprado na promoção, é mais mistura.
- Onde é que você comprou esse café? Parece que tem até asinha de mosquito da dengue no meio...
É a mulher, nada sutil como sempre, na sua primeira fala da manhã. Barba por fazer, Antenor não responde. Senão começa a briga logo cedo e ele resolve sair para o trabalho sem ao menos lavar a cara.
- Pai, a mãe falou ontem que ela votou no japoneizim que deu presente para o Luan Santana. E o senhor? Em que o senhor votou? Heim?
Pronto. A barraca estava armada:
- Se ela votou no japoneizim jogou o voto fora. Quanto a mim o meu voto é secreto. E não quero falar sobre isso.
O pentelho nem se deu conta e quis dar aula de cidadania:
- Mas pai, a professora disse que aqui é democracia. Então por que o senhor não pode dizer em quem votou?
Saco! O moleque quer é acabar com o dia. Aliás, só de saber que a Maria Cristina votou no japoneizim que deu título ao Luan Santana o Antenor já tremeu.
- Moleque! Me deixa em paz. Isto aqui é democracia mas o voto é meu. Não te interessa em quem eu votei. Mas tenha certeza: o cara também não está fazendo nada...
Maria Cristina, tirando a remela do olho esquerdo enquanto coloca o leite na caneca, se ri de contentamento e alívio. E pensa: “Ainda bem que ele admite que votou no vereador errado.”
Ela, então, decidiu tirar proveito da situação. E como? Ficando quieta. Isso incomoda Antenor mais do que as discussões rotineiras. Ele se vê forçado a puxar sequência do assunto.
- E então, mulher? Que história é essa do japoneizim do Luan Santana?
Olha só o oportunismo e o desaforo dela:
- Que eu saiba o Luan não é japoneizim...
A resposta foi dada com mistura de ironia e pouco caso. Mais ou menos daquele jeito irritante de quem está participando do diálogo sem interesse nenhum no tema.
- O Leonardo, esse seu moleque, acabou de dizer que ouviu você falar que votou no japoneizim do Luan.
Lá da sala o moleque resolve por fogo:
- Falou sim senhora. Foi na hora que a notícia do japoneizim e do Luan saiu na televisão. Pai, a mãe falou sim que votou no japoneizim.
E fez-se silêncio profundo e duradouro de mais ou menos trinta segundos. Da parte dela por querer provocar o homem. Da parte dele porque sabia que ela estava provocando. Mas ele está indignado:
- Votou ou não votou no japoneizim do Luan Santana? Por que? Você andou fazendo bobagem na eleição? Estava atrapalhada quando apertou o botãozinho verde?
Mais silêncio, de quase vinte segundos, até que o menino grita lá da sala:
- Mãe, a professora disse que aqui é democracia. Que a pessoa vota em quem quiser.
- Pois é. Mas eu só preciso ver se a democracia da professora é igual a minha. Aqui eu lavo e passo a roupa, limpo o chão, faço comida, ajeito a cozinha e quando vou assistir a novela você e o seu pai estão ligados no futebol. Se eu votei no Luan Santana isso não interessa pra ninguém.”
Que confusão! Afinal de contas, Luan Santana ou japoineizim? E por que Antenor implica com Maria Cristina só por causa de um voto?
- Olha aqui, mulher. Ouve bem isso, moleque. Democracia não é votar em quem quiser. É votar certo.
- Ah, tanto é que você acaba de admitir que o seu vereador também não faz nada. O meu pelo menos homenageou um cantor famoso...
Então Antenor se dá por vencido. Decide deixar para lá e cantorola o refrão de uma música qualquer: “Tererê-tetê, tererê-tetê... Tererê-tetê, tererê-tetê...”
Como a reação foi de outro silêncio, Antenor investiu:
- Que criatividade neste refrão! E eu sou obrigado a ouvir isso até no rádio do carro por causa de certas pessoas. Até decorei a letra. Tererê-tetê... tererê-tetê...
E cada um saiu pro seu canto. Todos emburrados. Ele para a loja de sapatos vender calçados de vinte mangos por duzentos. Ela para a faxina da casa de uma conhecida cobrando quarenta por um servicinho de oitenta. E o menino, aquele pentelho, disse que ia para a escola. Mas ficou na casa do colega para jogar online aproveitando o gato que fizeram com o cabo da internet de uma loja ao lado.