sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sexta-feira 13 - O cantor e o japoneizim

Banana pra nóis - Lá na casa do Antenor (2)

Passa o café e o coador é de segunda. A água preta desce aos pingos. Ou o pó, comprado na promoção, é mais mistura.

- Onde é que você comprou esse café? Parece que tem até asinha de mosquito da dengue no meio...

É a mulher, nada sutil como sempre, na sua primeira fala da manhã. Barba por fazer, Antenor não responde. Senão começa a briga logo cedo e ele resolve sair para o trabalho sem ao menos lavar a cara.

- Pai, a mãe falou ontem que ela votou no japoneizim que deu presente para o Luan Santana. E o senhor? Em que o senhor votou? Heim?

Pronto. A barraca estava armada:

- Se ela votou no japoneizim jogou o voto fora. Quanto a mim o meu voto é secreto. E não quero falar sobre isso.

O pentelho nem se deu conta e quis dar aula de cidadania:

- Mas pai, a professora disse que aqui é democracia. Então por que o senhor não pode dizer em quem votou?

Saco! O moleque quer é acabar com o dia. Aliás, só de saber que a Maria Cristina votou no japoneizim que deu título ao Luan Santana o Antenor já tremeu.

- Moleque! Me deixa em paz. Isto aqui é democracia mas o voto é meu. Não te interessa em quem eu votei. Mas tenha certeza: o cara também não está fazendo nada...

Maria Cristina, tirando a remela do olho esquerdo enquanto coloca o leite na caneca, se ri de contentamento e alívio. E pensa: “Ainda bem que ele admite que votou no vereador errado.”

Ela, então, decidiu tirar proveito da situação. E como? Ficando quieta. Isso incomoda Antenor mais do que as discussões rotineiras. Ele se vê forçado a puxar sequência do assunto.

- E então, mulher? Que história é essa do japoneizim do Luan Santana?

Olha só o oportunismo e o desaforo dela:

- Que eu saiba o Luan não é japoneizim...

A resposta foi dada com mistura de ironia e pouco caso. Mais ou menos daquele jeito irritante de quem está participando do diálogo sem interesse nenhum no tema.

- O Leonardo, esse seu moleque, acabou de dizer que ouviu você falar que votou no japoneizim do Luan.
Lá da sala o moleque resolve por fogo:

- Falou sim senhora. Foi na hora que a notícia do japoneizim e do Luan saiu na televisão. Pai, a mãe falou sim que votou no japoneizim.

E fez-se silêncio profundo e duradouro de mais ou menos trinta segundos. Da parte dela por querer provocar o homem. Da parte dele porque sabia que ela estava provocando. Mas ele está indignado:

- Votou ou não votou no japoneizim do Luan Santana? Por que? Você andou fazendo bobagem na eleição? Estava atrapalhada quando apertou o botãozinho verde?

Mais silêncio, de quase vinte segundos, até que o menino grita lá da sala:

- Mãe, a professora disse que aqui é democracia. Que a pessoa vota em quem quiser.

- Pois é. Mas eu só preciso ver se a democracia da professora é igual a minha. Aqui eu lavo e passo a roupa, limpo o chão, faço comida, ajeito a cozinha e quando vou assistir a novela você e o seu pai estão ligados no futebol. Se eu votei no Luan Santana isso não interessa pra ninguém.”

Que confusão! Afinal de contas, Luan Santana ou japoineizim? E por que Antenor implica com Maria Cristina só por causa de um voto?

- Olha aqui, mulher. Ouve bem isso, moleque. Democracia não é votar em quem quiser. É votar certo.

- Ah, tanto é que você acaba de admitir que o seu vereador também não faz nada. O meu pelo menos homenageou um cantor famoso...

Então Antenor se dá por vencido. Decide deixar para lá e cantorola o refrão de uma música qualquer: “Tererê-tetê, tererê-tetê... Tererê-tetê, tererê-tetê...”

Como a reação foi de outro silêncio, Antenor investiu:

- Que criatividade neste refrão! E eu sou obrigado a ouvir isso até no rádio do carro por causa de certas pessoas. Até decorei a letra. Tererê-tetê... tererê-tetê...

E cada um saiu pro seu canto. Todos emburrados. Ele para a loja de sapatos vender calçados de vinte mangos por duzentos. Ela para a faxina da casa de uma conhecida cobrando quarenta por um servicinho de oitenta. E o menino, aquele pentelho, disse que ia para a escola. Mas ficou na casa do colega para jogar online aproveitando o gato que fizeram com o cabo da internet de uma loja ao lado. 

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Quarta-feira - Sanduíche de linguiça e mosca

Banana pra nóis - Lá na casa do Antenor (1)

Mulher atravessada! Tem razão o Antenor se queixar de Maria Cristina desde o amanhecer. E não é porque ela se vira na cama durante o sono e forma um desenho esquisito: uma perna nas costas do marido e a outra fora do colchão. É pela implicância da dita com tudo o que ele faz.

Ligou a televisão para ver a Dilma reunida com o Obama e ela reclama. Mudou e passa a reconstituição de um assalto durante a noite e ela se manifesta, ainda com os cabelos amassados que nem personagem de filme de terror: “Desliga isso, mordeus! Desde cedo mais violência?”

Direto. Sem parar. Tudo porque Maria Cristina quer se espremer no Parque Ney Braga para tentar ver o tal do Teló. Não que o Antenor despreze o programa. O bolso é que está furado. Além dos ingressos do casal são oitenta mangos para enxergar os vultos no palco, vinte do estacionamento e dezesseis do lanche. Dois refrigerantes e dois sanduíches de lingüiça e mosca varejeira que custariam normalmente oito são vendidos por mais de vinte. E olha que o complemento vem fora da embalagem: cheiro de fezes de animais...

“Mas música sertaneja é cultura”, insiste Maria Cristina. Você só gosta de Tonico e Tinoco e não me dá chance nem de ver o Teló. Cretino!” É o nível. Antenor vai para o mesmo patamar e retruca com voz nada amigável: “Burra! Quando é que esse tal de Teló é sertanejo? Tonico e Tinoco sim, esses são. Ignorante!”

O silêncio dura muito pouco depois dessa conversa delicada. Mas serve para alguma coisa. Maria Cristina tenta consertar. “Eu olhei no jornal que música sertaneja é cultura. Aquele instituto que fez as provas do concurso público de Cambé diz isso. Está lá escrito, confere no jornal de anteontem.”

E vem mais bucha: “Então eu não sei mais se a burra é você ou o ignorante é o tal instituto. Música sertaneja, do tipo Tonico e Tinoco, é cultura sim. Esse Teló eu nem sei o que ele canta. Ou se ele canta... E você lê as coisas pela metade. Aqui diz que música sertaneja é cultura porque tem uma pergunta no concurso sobre o Zezé di Camargo e o Luciano”.

Mais silêncio. O clima não está para conversa. Intervalo relativamente duradouro, de mais ou menos quarenta segundos. E ela, enquanto coça a cabeça em cima do pó de café, tenta arrematar com tom de amizade e concordância: “É, mas a única coisa boa desses dois que eu vi foi o filme. Aquele homem em cima do telhado esticando o arame para sintonizar o rádio é o que mais lembro.”

Foi o tiro de misericórdia. Antenor fechou a cara de vez. Correu ao banheiro para passar água no rosto e fugiu para a sala, onde ocupou o sofá de ponta a ponta, deitado de lado, e ligou no Louro José. Consigo mesmo pensou que por ser uma ave é o único que se pode perdoar as bobagens que diz na televisão. E falou sozinho quando apareceu a Ana Maria Braga elogiando o Faustão: “Cultura pra que no meio de tanta burrice!”

terça-feira, 3 de abril de 2012

Mais um pouquinho de paciência, gente!

Aproveito a Semana Santa para tentar ser santo. Do tipo mártir, submisso, alinhado ao convencional e meio que disposto a dar a outra face. É o tempo que preciso para repensar o meu blog de contos, crônicas e reportagens e os blogs nas quais tenho participação, o das batalhadoras e o do fórum de jornalismo. Peço, assim, desculpas aos meus poucos mas valiosos leitores/seguidores. Prometo voltar com carga após esse tempo de reflexão.

Tenho, aliás, expectativas. Sem elas a gente sucumbe. Quero no blog de contos, crônicas e reportagens ser criativo. Atualmente só de vez em quando consigo isso tantas são as tarefas diárias. Chega uma hora de vazio após escrever um monte de textos profissionais. Sim, sou empregado e se não recebo por linha escrita às vezes me vejo obrigado a redigir o protocolo de um cerimonial com criatividade e desenvoltura tamanha para evitar que o público presente adormeça.

É mole? Pelo contrário, é dureza. A cada minuto surge um desafio e de vez em quando é preciso tirar água da pedra em plena estiagem. É, o sol castiga e o salário é muito suado. De sobra a gente leva uma sacola de desaforos de desafetos que nos tornam inimigos por inveja.

Quanto ao blog das batalhadoras. Ah, se fosse por mim eu transformaria aquilo num canal de comunicação da comunidade! Por enquanto sou o articulista solitário que redige de acordo com convicções e princípios que são exclusivamente meus. Admito: não é a fórmula adequada para um blog de comunidade. 

Então dou-me ao direito de defesa e digo que não estou, por enquanto, em condições de contato mais constante com aquela população. O problema é geográfico e financeiro, pois moro na zona oeste de Londrina, trabalho em Cambé e a sede das batalhadoras fica na zona sul de Londrina.

Mas prometo uma reavaliação após conversas com a diretoria da entidade. Aliás, preciso que a própria comunidade me abasteça com informações, pois a redação e a postagem do que as pessoas querem colocar no blog fica por minha conta e eu faço isso entre a noite e a madrugada. Com satisfação e muito tesão de escrever. É isso que eu sei fazer.

Também espero novidades no fórum de jornalismo. Isso vou deixar para depois, mas a expectativa é animadora. E por enquanto, mais uma vez, peço paciência aos meus poucos mas valorosos leitores. Vai bombar muito em breve com acontecimentos importantes sobre o jornalismo ético da região.

(Walter Ogama) 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Opinião - Pai, por que me abandonaste?

Faz mais de dois mil anos que aquele homem, após ser traído, chicoteado e caminhar longa distância carregando uma cruz de madeira nos ombros, foi pregado a ela. Fincada a cruz o homem, minutos antes de morrer, deixou algumas palavras, na forma de uma pergunta: “Pai, por que me abandonaste?”

A Bíblia tem uma explicação lógica e provavelmente conveniente para aquela manifestação. Ele, como filho de Deus, estava na terra como homem. E quando os ladrões que foram crucificados com ele perguntaram com ironia por que, sendo filho Dele, não merecia a interferência da salvação daquele momento de sofrimento e agonia, o livro sagrado responde que Jesus, em carne, pagava naquele momento por todos os nossos pecados.

E se a manifestação Suprema não se deu naquele momento crucial, ocorreu a partir da remoção milagrosa da pesada pedra que fechava o túmulo e então com a ressurreição. Esta seria a prova de que o homem torturado e morto era mesmo filho de Deus.

Claro, aqui neste texto dou-me à permissão de ser intérprete da leitura da Bíblia. A intenção não é de transcrever literalmente o que o Livro nos diz. E ouso, embora sabendo de discordâncias de pessoas subsidiadas em anos de estudos sobre o assunto e outras nem tanto, mas apegadas a uma fé que se torna paixão, questionar: a provação na forma de tamanha violência foi em vão?

A guerra religiosa de milênios ainda perdura naqueles mesmo locais. Só que agora não são com o uso de pedras, lanças e flechas. A tecnologia permite hoje muito mais mortes num único ato. Não há mais necessidade de cruz de madeira. As armas são modernas e às vezes as guerras são químicas. Irlanda do Sul e Irlanda do Norte passaram bons pares dos últimos anos matando e sofrendo baixas. Nesse caso a explicação lógica era o conflito religioso, mas com a estampa inegável dos interesses políticos. Assim como lá e em diferentes fases da história.

O comunismo e o capitalismo em suas variadas configurações também envolveram nos embates os apegos materiais de uns e os espirituais de outros. E dirão, alguns analistas, que este conflito nada teve a ver com a fé. Mas ela foi em significativos momentos a grandeza que gerou discordâncias porque do bom ou mau uso dela é que se formulavam os preceitos da economia e da política.

Especialmente no Brasil temos nesta exata etapa de nossas vidas a guerra que põe no lixo toda a nossa base cultural, onde entram a fé e a religião, a democracia e a política, a educação e o respeito para com o próximo e assim por diante. É uma guerra de valores, ou melhor, contra os valores. A permissividade é aceita com naturalidade. A roubalheira é descarada e vista como normalidade. Homens e mulheres participam das missas e dos cultos dominicais e fora dos templos e das igrejas agridem, submetem, ridicularizam, destratam e desprezam. E justificam que foi em defesa própria.

Sim, defesa própria. Aquele homem, pelo que consta no Livro, não foi torturado e morto porque pego em um ato de defesa própria. Assim consta na Escritura Sagrada: ele foi chicoteado, caminhou com a pesada cruz no ombro, foi pregado a ela e morreu, deixando aquelas palavras que devemos, dois mil anos depois, lembrar diariamente para conhecer o seu real significado: “Pai, por que me abandonaste?”

(Walter Ogama)