quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Crônica - Quem tem medo desvia os olhos

Aquele candidato não mostra a cara e deve ser para evitar que as pessoas vejam a sua personalidade e o seu caráter. Ele faz campanha como se fosse um andróide: sai dando a mão para todo mundo, mas olha para os lados. Num percurso de cem metros é capaz de ele pegar a mão de cinqüenta eleitores. Aposta-se, no entanto, que ele não enxergou cinco pares de olhos.

Disseram entre os chegados que este é o jeitão dele. Luiz Airão, que não é o cantor mas teve o nome do artista emprestado por culpa de uma preferência musical do pai, não acredita muito nessa história do jeitão. Ah, ele tem lá suas suspeitas, fruto de muita vivência.

Airão nunca foi político e tampouco trabalhou como cabo eleitoral, daqueles que conseguem, pelo menos a algumas semanas das eleições, certa intimidade com candidatos. Mas Airão é eleitor e nisso ele é especializado. No político, diz que os olhos só podem ser vistos nas fotografias dos jornais, nos vídeos dos programas noticiosos da televisão e no material de propaganda eleitoral.

Pois Airão já chegou a ver os pares de olhos de um bocado de políticos ao vivo. De longe, é claro. Airão é do tipo que desvia o caminho quando alguns deles aparecem. Então esse eleitor, que para ganhar dinheiro e sustentar família vende CD e DVD piratas, ajunta tudo o que absorve durante as suas andanças profissionais à experiência que tem como cidadão. Por isso ele é um especialista em conhecer as pessoas de acordo com as reações delas diante dos cidadãos.

Ele tem como exemplo a secretária de um consultório médico que atende os pacientes sem ao menos olhar nos olhos de quem está a frente. Num atendimento pelo SUS, o médico entregou a receita a ele sem ao menos olhar quem estava na sala de consulta. Numa agência bancária, a recepcionista o encaminhou para o setor de cheque sem fundo olhando para a colega de trabalho, que contava as façanhas da noitada anterior.

Disso Airão conclui que o ser humano, quando desinteressado no próximo, desvio os olhos para evitar algum tipo de comprometimento. Foi por isso que Airão passou certo dia bem ao lado daquele político que aperta as mãos dos outros olhando para os lados e fez de conta que nem o viu. E o cara ficou com as mãos estendidas, achando que ia conquistar mais um voto.

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